Uma das preocupações dos pais é com a capacidade que seus filhos terão de assumir tarefas e responsabilidades, lidar com o medo das decisões em geral e enfrentar, de forma civilizada e eficiente, situações de desrespeito ou bullying.
Essa aptidão, que podemos chamar, à falta de nome melhor, de adequação ao mundo real, não é algo que se possa ensinar através de alguma técnica ou exercício acadêmico, como podemos fazer com um esporte, o uso de um equipamento eletrônico ou o aprendizado de matemática.
Estamos falando de uma aptidão comportamental, portanto, emocional. Comportamentos aprendidos de forma pavloviana, isto é, utilizando, exclusivamente, o condicionamento, tendem a se repetir conforme o “planejado”. No entanto, dadas as características de complexidade da mente humana, o que pode parecer um sucesso de desempenho, corre o risco de ser um desastre na existência da pessoa envolvida. Aqui temos um problema da cultura vigente, onde desempenho, sendo algo mensurável, é altamente valorizável. Nada contra desempenho, pelo contrário. Estou me posicionando contra o atingimento de desempenho somente através de condicionamentos. Como o condicionamento é mais fácil e rápido, tende a ser valorizado. Mais difícil é aceitar que o ser humano é um animal simbólico que também pensa e não um ser racional, lógico, que tem emoções.
Então, como conseguirmos essa adequação ao mundo real? Bem, tudo começa com o bebê. Por mais estranho que possa parecer, é exatamente nos primeiros meses de vida que se pode contribuir, e muito, para a formação de uma personalidade com a autoestima necessária para se adequar ao mundo real. Nos primeiríssimos meses, o bebê tem uma dependência absoluta da mãe e esta deve suprir essa necessidade. Aos poucos, por volta do terceiro mês de vida, o bebê não tem mais essa dependência absoluta e cabe à mãe ajuda-lo a fazer essa transição. Mais tarde, lá pelos 7 ou 8 meses de vida, o bebê muitas vezes precisa se certificar que a mãe não desapareceu. É uma época em que, não raro, bebês dão uma chorada à noite e a simples aparição da mãe os acalma. Claro que, se a mãe não aparecer por 4 ou 5 noites, o bebê vai “aprender” a dormir. Este é um bom exemplo de comportamento aprendido por condicionamento e não por incorporação de conhecimento e resolução de algum conflito ou “pensamento”.
Pode parecer que a tarefa de mãe seja impossível e que qualquer deslize vá gerar algum problema no bebê ou na criança. Não é assim. Winnicott, um psicanalista inglês que, antes de se tornar psicanalista, foi pediatra clínico por muitos anos, cunhou a expressão- mãe suficientemente boa. Não é preciso ser perfeita, mesmo porque essa perfeição é inexistente e persegui-la só gera angústia e ansiedade na mãe (e no bebê). Uma mãe suficientemente boa usa seu coração mais do que a sua razão. Basicamente, faz duas coisas muito importantes- holding e handling. O holding é, como o nome indica, segurar o bebê no colo. Acolher o bebê, acalentá-lo, sussurrar, acariciar. O handling é o manejo do ambiente. Cuidar para que a fralda esteja seca, a temperatura agradável, a luz e ruídos confortáveis. Simples assim!
Passada a fase de bebê, entrando nos primeiros anos de vida, a colocação de limites é fundamental. Crianças sem limites se tornam adultos com tolerância zero à frustração, não raro, agressivos ou violentos. Mas, a colocação de limites pode ser feita utilizando o reforço positivo mais do que a punição ou repreensão. Esta é importante, mas seu efeito, em crianças pequenas ainda é pouco eficaz. Em contrapartida, elogiar um comportamento desejável tem um poder enorme. Na nossa cultura, temos a crença, falsa, de que elogiar “estraga”. É o oposto, o elogio sincero, para comportamentos cotidianos que vão sendo incorporados reforça a autoestima da criança. É exatamente essa autoestima, que foi se formando do período de bebê e que se consolida nos primeiros anos de vida que vai poder dar ao futuro adulto condições de se adequar à realidade.
Claro que, a partir de certa idade, a prática de esportes, os exemplos do comportamento de adultos (como ensinar valores morais com palavras que dizem algo e ações que são o oposto?), serão complementos importantes para a formação de uma personalidade segura e com capacidade de se adequar à realidade.
Superproteção por um lado e humilhação pelo outro, têm uma grande chance de produzir adultos pouco adaptados à realidade.
Se eu tivesse que resumir, diria que carinho, cuidado, reforço positivo e limites, com bons exemplos em casa, são os ingredientes que podem facilitar o desenvolvimento de crianças felizes em adultos com potencial de se realizarem, enfrentando, com maturidade, os desafios da realidade que terão no futuro e que não sabemos quais serão. Só sabemos que serão, obrigatoriamente, diferentes dos de hoje! Por esse motivo, desenvolver a autoestima é mais eficaz do que ensinar padrões de comportamento que só servem para situações conhecidas. Diante do novo, inusitado e mutante, nossos filhos precisarão contar com a confiança nas suas capacidades e competências, inclusive a de ousar e aprender com tentativas e erros. Confiança que começa com algo tão simples e gostoso como um colo!
Este post foi originalmente publicado no blog http://4insiders.com.br/ onde sou um dos colaboradores.
6 comentários em “A AUTOESTIMA NECESSÁRIA”
Olá Dr. Cooper,
O bacana dos seus posts, alias o que me faz retornar, eh que sempre encontro palavras positivas e educativas que, num momento ou outro, muitas vezes de angustia materna, ajuda a segurar as emoções e seguir adiante.
Como você é sempre carinhoso e preocupado, obrigado !!! A forma como escreve acalma o coração, hahahha.
A alguns dias atrás a Manuela voltou para casa com um desenho do numero cinco, alias, number five. No desenho a professora escreveu five e estampou a mão dela no papel. Para colorir a mão vários “rabiscos”, a verdadeira arte da Manu.
Achei interessante e resolvi colocar o desenho numa moldura para incentivar todo o contexto: o aprendizado dos números e a arte dos “rabiscos”. Coloquei o novo quadro da casa na estante da sala de jantar.
No dia seguinte novo desenho e o comentário da pequena :”Mamãe, você não achou lindo este desenho também ? Acho esse o mais bonito que eu já desenhei”. E ela foi lá certeira e confiante e colocou o desenho na estante, junto com o quadro.
Espero que na nossa caminhada, eu consiga ter sucesso e assim desenvolver uma criança feliz e um adulto com potencial de enfrentar os desafios da vida.
Bom final de semana.
Bj
Bia
Bia,
Você retorna e compartilha suas percepções, o que é generoso da sua parte. Sendo a mãe carinhosa que é, certamente a Manuela tem todas as condições para se desenvolver de forma harmônica e ser uma adulta feliz. No quesito carinhosa, incluo humana. Isto é, uma mãe imperfeita, o que também tira da Manuela uma exigência de ser perfeita. Mas, sempre, uma mãe suficientemente boa!
Obrigado, uma vez mais, por voltar ao blog e nos contar vivências interessantes.
Dr.Cooper, entrei nesta aventura da maternidade cheia de bobagens na cabeça, querendo ser perfeita, com medo de dar colo, de mimar. Tenho amadurecido. Muitos livros sobre ‘educar’ os filhos contribuíram para isso, junto, é claro, com minha leitura um pouco equivocada. Gosto muito dos seus posts, me faz pensar que pode ser possível ser uma mãe suficientemente boa, mesmo me sentindo, às vezes, tão imperfeita.
Abçs
Prezada Adriana,
Obrigado por compartilhar seus sentimentos. Certamente é uma mãe mais do que suficientemente boa. Sugiro que deixe de lado a procura por informações e deixe fluir suas emoções. Faça as coisas como o seu coração indicar. A aventura da maternidade pode ficar bem mais divertida, sem a menor necessidade de você ser perfeita!
Dr.! Parabéns! Vejo que não somente é um pediatra, mas também um estudioso de um dos pediatras que seguiu uma linha de estudo bem diferente de seus colegas, e por isso ganhou o respeito do mundo, Winnicott. O único livro q comprei sobre mães e filhos foi “a criança e seu mundo”, e o fiz quando minha filha tinha mais de um ano, até porque nunca acreditei em regras e condicionamentos ao preparar um ser humano para enfrentar o mundo, mas sim em seguir a intuição de mãe, que toda mulher tem, acima de qualquer crendice ou palpite, por mais bem intencionados que sejam. Ainda que estejamos “erradas”, se há carinho e afeto, tudo acaba se resolvendo naturalmente. Eu tenho duas meninas, uma de 2 anos e meio e outra de 2 meses. Um exemplo de como as coisas se resolvem, é que minha primeira filha acordava à noite para mamar na mamadeira até os 2 anos (ou seja, até há pouco tempo), um hábito ruim q acabei criando. Infelizmente meu leite secou com 3 meses e continuei com mamadeira.. Mas vi que ficaria insustentável seguir assim após o nascimento da segunda filha.
Então, foi assim, com muita conversa franca, q hoje minha filha não acorda mais. Nas primeiras noites foi difícil, claro que chorou, mas ficava ao lado dela, dando apoio, dizendo que ela iria conseguir. Cheguei a fazer um bolo de parabéns para comemorar o feito dela! Afinal, ela conseguiu! E acho q, olhando para trás, fiz a melhor escolha. Quase enlouqueci após um ano sem dormir, e cheguei a tentar deixá-la uma noite chorando, no método nana nenem, mas não aguentei e desisti. Hoje sei q foi o melhor a fazer. Vejo uma criança feliz, saudável, com confiança para expor seus sentimentos, ainda que muitos lhe parecem confusos, e agora ciumenta com a irmã mais nova, mas sem regredir em fraldas e outras coisas q achei q fosse regredir. Não q ela não seria assim caso tivesse feito o nana nenem, mas aqui é onde entra a intuição de mãe: acredito q tenha sido a melhor escolha para ela. Quanto à mais nova, sofre com um refluxo violento…. Até postei sobre isso ontem em seu blog, mas tem se desenvolvido muito bem, graças a Deus. Enfim, só queria mesmo parabenizá-lo pelo post e pelas opiniões aqui expressas, acho q são boas sementes sendo lançadas a todas nós, mães de primeira, segunda, terceira viagem…
Carolina,
Muito obrigado pelos comentários gentis. Fico muito feliz quando o que eu escrevo pode ser útil para outras pessoas. Seu depoimento é muito importante para que outras mães passem a acreditar mais nos seus sentimentos (mesmo errando, como você diz) e menos em “fontes do saber”.