Diante de um perigo ou situação crítica, o ser humano tem uma reação chamade de fuga ou luta. Esta reação ocorre quando, por algum estímulo, o organismo produz uma descarga de adrenalina. A partir desta descarga algumas reações acontecem. As pupilas se dilatam, há uma redução da circulação periférica, a frequência cardíaca aumenta. Tudo isto para nos deixar em uma situação onde ou vamos fugir (correr) ou vamos lutar. Passado o perigo ou situação crítica, o corpo volta à normalidade e, não raro, ocorre uma sonolência cuja finalidade é o repouso regenerador. Este é um resumo ultra simplificado de uma reação normal e necessária que temos. Quando a situação crítica ou sensação de perigo não cessa, a produção de adrenalina é constante e não há momento de sono reparador. Essa situação de estado contínuo de descarga de adrenalina é conhecido como estresse e tem consequências muito sérias para a saúde do ser humano. Habitualmente, quando falamos em estresse, pensamos em um adulto, sobrecarregado com trabalho, ansioso e angustiado. Dificilmente associamos a palavra estresse às crianças.
No entanto, por inúmeras razões que vão desde a deprivação emocional, abandono, carências básicas como alimentação e manutenção da temperatura corporal, até um ambiente familiar violento, incluindo maus tratos, a criança pode estar ou ficar estressada. Certamente os exemplos que dei, extremos, devem fazer com que imaginem que, nestas circunstâncias, faz todo sentido uma criança ficar estressada. Mas, quero chamar a atenção para um produtor de estresse infantil, muito mais sutil, porém não menos perigoso. Falo do tempo, ou melhor, da falta de tempo.
Apesar da natureza nos dar lições diárias sobre o tempo adequado, através das estações do ano, ou mesmo da duração de uma gravidez, insistimos com a ideia de que há sempre um “tempo para ser ganho”. Isto é verdade em todas as atividades onde a tecnologia pode nos ajudar, como nas viagens de avião, na transmissão de dados por computadores, nos cartões de crédito ou débito. O perigo é acharmos que o tempo pode ser ganho em todas as atividades humanas. Ou, que precisa ser ganho em todas as atividades humanas. Curiosamente, na época em conseguimos “ganhar mais tempo”, também é quando mais nos queixamos de falta da tempo. Algo parece muito errado nessa equação – quanto mais tempo eu ganho, menos tempo eu tenho. Chegamos ao extremo de declararmos que não temos tempo para nada! Esse quadro, por si só, seria dramatico. Para piorar, na nossa cultura vigente, não ter tempo para nada é sinônimo de status. Quem tem tempo para algo, geralmente para si, seu lazer e prazer, para os relacionamentos com a família e amigos, ou é um sortudo que ganhou na mega sena ou um preguiçoso irresponsável. Vejam aqui, uma nova contradição. Enchemos o peito para dizermos que não temos tempo para nada, buscando a admiração e reconhecimento de quem nos ouve, mas, se ganhássemos na mega sena, muito provavelmente não usaríamos nosso tempo da mesma forma como usamos hoje.
A questão é que passamos a educar nossos filhos da mesma forma com que vivemos: sem tempo para nada. Uma criança tem necessidade, para seu pleno desenvolvimento físico e mental, de brincar. Brincar, não necessariamente com brinquedos sofisticados, eletrônicos. Brincar como uma ato de criatividade, onde uma caixa se transforma em casa e uma tampa de garrafa em um animal que está sendo perseguido por uma lata que, na verdade é um leão. Esse brincar só tem uma necessidade: tempo. Tempo para nada, só para brincar. Não é um tempo cuja produtividade vá ser medida no momento da brincadeira, mas, cujo reflexo se pereceberá na vida adulta. Uma criança que tem tempo para brincar, sem que seja na aula disso ou no curso daquilo, desenvolve capacidades fundamentais para uma vida adulta saudável. A criança que cria brincando, se torna mais tolerante com a frustração. Aprende a criar alternativas, com o pouco material que tem. A criança que cria brincando, se torna mais analítica, conseguindo avaliar as variáveis que tem em mãos e gerar soluções (criativas). A criança que tem tempo para brincar, não está submetida a uma agenda rígida, com compromissos e exigências que geram uma descarga contínua de adrenalina (estresse). O brincar com tempo, sem exigências de performance ou metas, em um ambiente acolhedor e carinhoso, é a melhor prevenção para o estresse infantil.
Para os pais, selecionei um trecho do clássico Winnie the Pooh:
Aqui vem Eduardo Urso descendo as escadas – bong, bong,bong, batendo a cabeça nos degraus, logo atrás de Cristopher Robin. É, até onde sabe, a única maneira de se descer escadas. Mas, às vezes, ele suspeita que possa haver uma outra maneira de descer. Se ele pudesse ao menos parar de bater a cabeça por um instante e pensar em uma alternativa…
Certamente está na hora de pararmos um pouco para pensarmos em alternativas para o uso do nosso tempo e do tempo de nossos filhos. Não é razoável sentirmos orgulho de não termos tempo. Não é aceitável impormos um estresse desnecessário para nossos filhos.
Os comentários, sugestões e dúvidas são sempre bem-vindos (se tiverem tempo!).
9 comentários em “ESTRESSE EM CRIANÇAS”
Oi Roberto , gostei muito do post desta semana, me preocupo muito com esta história de “brincar livremente” estimular brincadeiras criativas etc… e no meu caso oferecer uma alternativa a “ir para play e ficar correndo de um lado para outro feito loucos” o que sei q também é saudável e faz parte da brincadeira, mas,a pergunta é: Quando invento estas brincadeiras lúdicas, coisas de mãe, as crianças acabam criando uma “necessidade” de brincarem sempre comigo e quando os deixo sozinhos acabam sempre na tal “correria de loucos”, o que ME deixa louca, será q eles ainda estão muito novos para inventarem, fantasiarem brincadeiras lúdicas por conta própria, sem q eu esteja sempre junto? talvez, ou isso seja mais brincadeira de menina e menino gosta mesmo é de correr?
bjos bjos
Daphne,
Me parece bastante razoável que queiram brincar com você. Além de serem pequenos, é um prazer enorme poder brincar com a mãe. Qualquer brincadeira fica muito melhor com você participando. O que você pode tentar é desafiá-los a criarem brincadeiras ou jogos e chamá-la depois para brincar com eles. No início eles não vão fazer nada. Depois, vão fazer qualquer coisa, em 30 segundos. Gradualmente, com seu suporte e reforço positivo, vão desenvolver algumas brincadeiras. Alternativamente, pode fazer brincadeiras onde eles precisam dar sequência a algo que você iniciou. Uma história, utilizando ou não objetos, em que vocês vão se revezando como narradores, dando continuidade (ou não) ao que foi contado. Ler com seus filhos é algo que estimula a criatividade e não implica em correr feito loucos. Pode ser um recurso para a hora de dormir, acalmando-os. Sei que ler exige a presença de um adulto, mas é algo tão rico e que praticamos pouco, que eu sempre estimulo os pais a fazerem um pouco mais.
Finalmente, meninos gostam de correr, mas, meninas também. Claro que se a mãe veste a menina toda engomadinha e fica dizendo que ela está linda, que é uma princesa e que mamãe adora ela porque ele fica sempre limpinha enquanto seus irmãos são sujinhos, ela não vai correr feito louca! Escrevi sobre isso no post O Futuro Começa Hoje. Os meninos, por sua vez, se não forem “pilhados” por adultos que incentivam a correria feito loucos, se divertirão muito com um momento criativo. Claro que o limite de cada criança para uma atividade é variável.
Obrigado por deixar seu comentário. Acredito que muitas mães passam pela mesma situação.
Olá Dr.Cooper,
Vendo a Manuela começar a brincar sozinha me deu algumas sensações boas, dentre eleas: ela esta crescendo, ela tem tempo livre para nada ( achei engracada mas sincera a sua descrição ), ela percebe o mundo como nos apresentamos para ela, da vontade de aperta-lá porque eh muito fofinha !!!
Hahahha
Bem, tudo isso para dizer que ela brincava de casinha e conversava com os bichinhos assim como eu converso com ela no dia a dia. Achei uma graça e me vi uma mae carinhosa e cuidadosa, e de certa maneira, vi o meu reflexo na brincadeira dela porque ela repetia as mesmas palavras e os mesmos gestos, impressionante !!!
Então me lembrei de uma tarde, quando estava gravida, na casa de uma amiga cuja filha deveria ter a idade da Manuela hoje, uns 3 ou quase ou pouco mais.
E nos, eu e minha amiga, riamos da filha que brincava com as bonecas andando de carrinho pela casa pra la e para ca falando toda atrapalhada e afobada e rápido coisas tipo: vamos boneca, estamos atrasadas, rápido, eu nao disse que tínhamos que ir logo porque estava na hora, assim nao vamos conseguir comprar tudo inquérito precisamos pois o shopping fecha e temos que voltar logo para jantar e dormir… E dai surgiu um dialogo ” esbaforido” entre a menina e as bonecas que no passado me fez rir e hoje me faz avaliar: tadinha, esta sempre correndo com a mae ou a baba para fazer ou ir a algum lugar, sempre com pressa porque o tempo nao espera, ele acaba e ai fim.
Triste né ???
Quando me provocou sobre as minhas necessidades… Tenho necessidade de tempo livre !!!! Tempo para dormir tranqüila, tempo para ler um bom livro ou para conversar com os amigos. Bem bom !
Vivemos nesse frenesi de time is money irritante , cercado de um mundo cada vez mais capitalista que nos faz muitas vezes agirmos como maquinas e nao como seres humanos racionais. Credo !!! Mas eh verdade Dr.Cooper, o que mais ouço:”tenho que trabalhar mais para poder dar mais para os meus filhos e viajar mais e ser mais”. Eu fui assim, eu ja agi desta forma, normal !
🙁
Hoje que nao estou trabalhando vejo com mais clareza o discurso do tempo, eu sinto o tempo… mas eh tao complicado conversar sobre ele, cade o tempo para se conversar sobre o tempo ? Acho que no momento so eu tenho tempo 🙂
Bjs
Bia
Bia,
Parar, um minuto, para pensar no tempo, já é lucro (para usar o jargão do momento). Refletir sobra vida, para se tornar sujeito dela e não um objeto, agrega valor (ainda no jargão). A pergunta franca, direta e dura é: você gostaria que seu filho fosse um robô? Alguém que, em nome da produtividade, tenha perdido a criatividade? Em nome da eficiência,tenha perdido a capacidade de pensar? Não é curioso que, o que diferencia o ser humano de outros animais é a sua capacide de raciocinar e hoje, pensamos menos que nossos antepassados? O exemplo que deu da menina correndo, esbaforida, ou do usrinho descendo a escada, batendo a cabeça, ilustram bem o que a velocidade nos rouba! Claro que temos ganhos extraordinários. Claro que precisamos trabalhar e produzir para podermos viver. Mas, onde está o bom balanço?
Quanto à frase, tempo é dinheiro, gostaria de contrapor o que o Professor Antonio Cândido dizia:
“O capitalismo é o senhor do tempo. Mas tempo não é dinheiro. Isso é uma brutalidade. O tempo é o tecido de nossas vidas”.
Que tal você juntar umas amigas e amigos e propor uma conversa sobre o tempo? É um assunto que não se esgota fácil. Divirta-se e obrigado por ceder seu tempo para compartilhar, no blog, suas ideias.
Acho que o tempo é um vilão presente em todas as faixas etárias Roberto! Infelizmente, neste mundinho globalizado, onde a informática pode nos levar muito rapidamente para todos os lugares, continua mesmo faltando tempo.
As exigências com bebês são poucas ou nenhumas, mas quando se chega ao ensino fundamental e médio, é uma lástima mesmo para eles.
A cobrança é triplicada, e pelo que tenho analisado, em uns 3 anos será necessário que um adolescente fique no colégio em horário integral, pois as matérias exigidas nos dias atuais já ultrapassam em muito os horários normais de aula.
Victor tem estresse sim, que se traduz em alergia e caspa, muita caspa mesmo! O sistema nervoso dele entra em total desalinho, neuras, lágrimas, sono e a baixa-estima aflora também: “não posso e não quero ficar reprovado”, isso no primeiro bimestre de aulas.
Exigências? Tenho sim, estuda 2 horas por dia todos os dias após o almoço, depois PS3, TV e internet sem problemas. Procuro associar responsabilidade com laser porque sei que ele precisa, mas até quando alguém que quer ser médico vai ter alguma horinha de laser??? Provavelmente até o 3o. ano do ensino médio, pois passar no vestibular vai ser muito barra pesada!
Edite,
Já existem “cursinhos” para a entrevista na pré-escola! As exigências com bebês estão começando cada vez mais cedo. Não dá para nos opormos radicalmente à realidade do nosso tempo. Mas, podemos tentar fazer algumas coisas diferentes. Entendo que um adolescente tenha desafios que o ocupam muito. Neste caso é importante se descobrir como criar pequenos espaços de “tempo com qualidade”. Se não é possível parar por algumas horas para pensar, desenhar, brincar, soltar pipa, andar de bicicleta ou ver um filme, devemos tentar uns minutinhos de “pausa regeneradora”. Pode ser durante as refeições onde a conversa pode, combinadamente, não ser sobre nenhuma das obrigações. Não raro, as refeições são exatamente o lugar onde atualizamos o dia das crianças, perguntando sobre as mil atividades, cobrando, elogiando etc. Que tal usarmos esse tempo para falarmos de algo que não seja “obrigatório”. Contar uma história da avó, uma viagem que o pai ou a mãe fez quando adolescente, falar de si e pedir para o filho falar dele, são algumas sugestões. Sucesso e divirtam-se!
Belo post Dr. Cooper!
Li e gostei bastante também dos comentários….acho que enriquece e muito!
Particularmente, acho que procuro dosar bem as atividades do Matheus e ele curte sempre cada uma delas, nada é imposto, tudo é conversado e explicado!
Estou aproveitando que não estou trabalhando para curtir o desenvolvimento dele mais de perto.
Durante a semana ele frequenta escolinha de manhã, depois almoçamos, daí brincamos, assistimos à um filme de escolha dele, pintamos, ou fazemos qualquer outra coisa em casa que ele queira, até que ele percebe que está cansado e pede para dormir. Dorme bem, normalmente umas 2 horas!
Terças e quintas temos a natação e o judô que ele adora. Mas levo bem na brincadeira. Se ele não quiser ir, insisto, mas não obrigo! E se de repente, na natação por exemplo, ele não quiser fazer os exercícios e quiser ficar apenas boiando e brincando de me pegar, eu deixo. Porque, no meu entender, estas atividades têm que ser prazerosas para ele. Não tenho aspirações de que ele seja o que eu não fui, ou que ganhe troféus e medalhas. Acho que quando ele amadurecer vai saber realmente o que quer fazer, então não exijo muito.
Escolhi estas atividades porque, como já disse, ele é muito ativo….e moramos em apartamento, então ficávamos muito preso e limitados em casa. A rua também já não é mais tão tranquila para brincar como há alguns anos. Já nos outros dias da semana brincamos na casa do primo Gregory que tem 4 anos e o Matheus amaaaa…rsrs! Ou vamos andar de bicicleta na pracinha, ou vamos no parquinho, ou no playground do shopping, mas sempre chegamos num acordo!
Tenho em mente que as crianças precisam brincar e precisam ser crianças, mas precisam também aprender desde cedo a lidar com as frustrações e que nem sempre podemos fazer o quê queremos, na hora em que queremos ou como queremos. E infelizmente, um dia terão que deixar de ser crianças. Então eu acredito que essa transição pode ser mais tranquila se aprendermos quando pequenos que a vida tem seu lado sério. Temos hora de brincar, hora de comer, de dormir, de passear, de estudar, enfim, implicitamente estou ensinando à ele como administrar o nosso querido tempo.
Mas sempre tenho conversas claras com ele. Explico o que pode ou não, e o porquê.
Foi até engraçado outro dia, o já citado primo Gregory nos viu saindo e chamou o Matheus para brincar, mas estávamos indo para o judô, e o próprio Matheus respondeu: “Não posso primo, agora eu vou para o judô! Quando eu voltar a gente brinca tá?.”……rsrs, achei muito engraçado e confesso que fiquei super orgulhosa do meu “PEQUENO GRANDE HOMEM”, muito responsável!!!
Outra coisa interessante, desde os 2 aninhos quando começou a frequentar a escolinha, o Matheus nunca (eu disse nunca) saiu correndo para ir embora e largou a mochilinha para trás. Quando chego para buscá-lo ele sempre se lembra da bendita mochila. Acho que é dele. É muito observador e metódico também!
Bem, me desculpe Dr. Cooper, mas não consigo ser breve falando do meu filho e das minhas experiências com ele!
É sempre bom estar por aqui!
Obrigada e parabéns pelo post!!!
Roberta,
De fato, lidar com frustrações é fundamental para uma vida adulta saudável ou harmônica. E os pais tem um papel importantíssimo nesse aprendizado. Não temer uma reação “negativa” é fundamental. Pais fazem bem tanto quando expressam amor bem como quando “sobrevivem” aos “ataques” dos filhos.
Não seja breve falando de suas vivências com seu filho. Vale a pena degustar esses momentos.
😉