Como quase todas as boas perguntas, não há uma resposta certa. No entanto, neste caso, há uma resposta “universal”, que fere o senso comum do cuidar dos filhos ou crianças. Devemos tirar as rodinhas ANTES que a criança se sinta pronta para tal. Atenção à “pegadinha” na resposta. Antes que a criança SE SINTA pronta. Isto é, os pais deverão fazer um juízo de aptidão ou habilidade do seu filho, antes que este esteja seguro ou certo de que está pronto. Os pais terão que correr o risco de que o filho caia e, com toda certeza cairá. Não porque não esteja pronto. Pronto está, tanto que vai dar três ou quatro pedaladas e, somente quando perceber que não tem ninguém o segurando, vai bambolear e cair!
Em geral, crianças em torno dos três anos possuem a coordenação motora e força para pedalar. Nesta idade, a criança, depois de várias tentativas e erros, conseguirá “pilotar” um triciclo. Com o desenvolvimento motor, incluindo coordenação e força, passarão do triciclo para uma bicicleta com rodinhas. A mudança é radical para a criança. A bicicleta é mais alta e o equilíbrio, apesar das rodinhas, é instável. Em geral, a criança precisa de pouco ou nenhum apoio de um adulto para dominar a bicicleta com rodinhas. Quando a criança está absolutamente confortável pilotando sua bicicleta com rodinhas, demonstrando destreza, equilíbrio, coordenação que se manifestam por curvas bem feitas, nenhuma colisão com árvores, postes ou muros, nem o reflexo de colocar os pés no chão diante de qualquer risco, suposto ou real, é chegada a hora de tirar as rodinhas!
A criança vive um misto de excitação e ansiedade. Por um lado, é tudo que deseja, por outro, sente certa insegurança normal e natural. Os pais por sua vez, ficam com o coração apertado porque sabem que seus filhos, obrigatoriamente cairão. Pais inseguros ou que não suportam a ideia de que os filhos cairão, terão grande dificuldade em ensina-los a andar de bicicleta, eventualmente, privando-os de uma opção de lazer ou esporte.
O grande dia chega. A retirada das rodinhas se torna, praticamente, um ritual. Primeiro uma, depois a outra e ali no chão fica um momento da infância. Na bicicleta sustentada por um dos pais, o sinal de crescimento, o futuro. A criança se senta, desnecessário dizer que está usando capacete porque já o faz desde a época em que andava de triciclo. Em geral o pai ou a mãe seguram no selim e diz algo como: “estou te segurando, você não vai cair. está pronto?” Invariavelmente a criança diz algo como: “não vai me largar”. E lá vai a dupla… O pai ou a mãe do lado da bicicleta, correndo numa posição que não há coluna que resista, bufando e ainda tendo que dizer palavras de incentivo: “muito bem, está indo bem, continua, pedala!”. A criança, excitada, animada, bamboleia, olha para trás a cada 5 segundos, para se certificar que alguém está lá, segurando a bicicleta e dizendo: “olha para frente, não olha para mim, você está indo muito bem”. De repente, o pai ou a mãe solta o selim, para de correr e fica olhando aquele ser indefeso, seu filho, pedalando. Impossível resistir e um grito sai, involuntário e espontâneo: “isso meu filho, continua, continua”. A criança se dá conta de que a voz não está mais ali do seu lado, olha para trás e… cai! Lá vem um dos pais correndo, a vontade é de parar com aquilo de uma vez por todas, pegar o filho no colo e abandonar a bicicleta. Mas, o que faz essa mãe ou pai? Finge a maior serenidade do mundo e diz: “você estava ótimo, se não olhasse para trás não teria caído. Mas, não tem problema, vamos de novo” A criança pode resistir dar uma chorada e caberá a esse pai ou mãe não se deixar levar pela emoção de proteger seu filho e sim pela convicção de que esse é o caminho para se aprender a andar de bicicleta. Os pais também não devem temer um certo olhar furioso ou até uma acusação: “você me deixou cair”. A criança está no direito dela de reclamar e o que pais devem fazer não é vestir a carapuça da culpa e sim acolher essa “ira”, levantar a bicicleta e o filho do chão (verificando que está tudo bem) e dizer: “Vamos de novo. Agora vai ser melhor ainda”. Não tem como se aprender a andar de bicicleta com uma mãe ou um pai, permanentemente segurando o selim. Para aprender, é preciso que os pais soltem o selim!
Tirar as rodinhas é algo que os pais decidem quando fazer e devem estar preparados para os tombos (choros e raivas) que se sucederão. Tirar as rodinhas não é só quando ensinamos nossos filhos a andar de bicicleta. Quando colocamos o bebê no seu quarto, não mais dormindo no dos pais, tiramos as rodinhas. Quando não atendemos a todas as demandas dos nossos filhos com um ano, deixando que se vire um pouco sozinho, tiramos as rodinhas. Quando dizemos não para o que deve ser negado, tiramos as rodinhas, deixando que os filhos desenvolvam mecanismos de auto consolo. Quando usamos nossa autoridade, sem medo de sermos autoritários, estabelecendo regras, horários, obrigações, de acordo com os valores da família, tiramos as rodinhas. Quando não protegemos nossos filhos diante de riscos calculados, deixando que encontrem a destreza e equilíbrio para superar os obstáculos, tiramos as rodinhas.
Em todos esses momentos, tiramos as rodinhas quando o bebê, a criança ou o adolescente estão prontos, mas não sabem que estão. Se dependesse deles, continuariam usando rodinhas, para sempre! Por isso que nosso instinto de proteção, nossa dificuldade de lidar com os tombos que o crescimento impõe, em última análise, nossa dificuldade de perceber que filhos crescem, devem ser constantemente questionados.
Como pais, temos a obrigação de tirar as rodinhas e soltar o selim, se quisermos que nossos filhos sejam adultos seguros e felizes que saibam pedalar pela vida afora.
4 comentários em “QUANDO TIRAR AS RODINHAS DA BICICLETA?”
Nossa… Acho que meu filho andou “tirando as rodinhas” da minha bicicleta e esse seu texto veio bem a calhar, embora às avessas. Ele sempre dormiu no quarto dele, apesar de adormecer no meu. Recentemente, iniciou a noite comigo, na minha cama, mas logo pediu para ir p o seu próprio quarto. Chegando lá, achei que, como de costume, eu deitaria ao seu lado até que adormecesse. Qual não foi minha surpresa quando ele disse: “Não, mãe! Vá para o seu lugar! Para o seu quarto.” Senti um friozinho na barriga, pedi um beijo, um abraço e dei boa noite. Liguei a baba eletrônica, o abajur e, ainda sem acreditar, sentei na cama para ver o que ia acontecer. Ele estava pronto e dormiu sozinho. Era eu q não estava pronta…
Dr. Roberto, parabéns! Estava com saudades dos seus textos, que como sempre caem como uma luva. Nossa, mas como é difícil tirar as rodinhas… um grande abraço!
Linda metáfora para a eterna discussão entre ninho e voo: falta de ninho mata o pássaro; excesso de ninho o incapacita para voar.
Parabens pelo texto…Excelente