AQUI NINGUÉM TOCA!

aqui-ninguem-toca2Não dispomos de estatísticas confiáveis a respeito da violência ou abuso sexual em crianças. Mas, a estimativa feita pelo Conselho da Europa é que aproximadamente uma criança em cinco sofreu ou sofrerá alguma forma de abuso sexual. Vou repetir o número- uma em cinco, estimado pelos países da comunidade europeia.  Uma em cinco é o mesmo que 20% ou ainda, numa turminha de 20 crianças, estatisticamente, 4 poderão ter sofrido ou sofrerão alguma forma de violência sexual. 

Este problema é tão grave que, além de todas as ações locais e recomendações internacionais feitas pela OMS e UNICEF, o Conselho da Europa desenvolveu um “pacote” para a divulgação de uma regra simples a ser ensinada às crianças: AQUI NINGUÉM TOCA.  A criança deve aprender que ninguém a toca por debaixo da fralda, calcinha ou cueca. Em inglês o nome da regra é The Underwear Rule. A regra foi criada para ajudar os pais e os educadores a começarem a falar sobre este tema com as crianças e pode ser uma ferramenta muito eficaz para prevenir o abuso sexual. 

A regra “Aqui ninguém toca” possui cinco princípios importantes:

1- O seu corpo é só seu. As crianças precisam ser ensinadas de que o seu corpo lhes pertence e que ninguém pode tocá-lo sem a sua autorização. Os pais devem falar com as crianças, desde pequenas, a respeito do corpo e do que é um contato permitido e o que não é. As crianças precisam aprender a dizer não de forma enérgica e serem incentivadas a comunicar qualquer situação à mãe ou ao pai. 

2- Contato físico próprio e impróprio. Para facilitar o entendimento das crianças do que seja um contato proibido, a regra delimitou a área do corpo coberta pelas roupas íntimas ou fraldas. Crianças devem ter muito claro que nessa parte do corpo, ninguém toca. Também devemos ensinar a nossos filhos que as partes do corpo de outra pessoa, coberta pelas peças íntimas (cueca e calcinha) não devem ser tocadas por eles. Isto é, a regra “Aqui ninguém toca” vale tanto para impedir que alguém toque nas crianças, quanto esta tocar um adulto. 

3- Bons e maus segredos. Um agressor de crianças é, em geral, alguém conhecido desta e que goza de certa confiança. O adulto agressor é, em geral, sedutor e uma das suas táticas é a de combinar segredos com a criança- isso é segredo só nosso, não vamos contar para ninguém! Combinado? Nossos filhos devem ser orientados a jamais guardarem nenhum tipo de segredo a respeito de alguém que tenha desejado ou conseguido tocar no corpo ou pedir que toquem no dele. Esse é um mau segredo e a crianças nem sempre vai entender isto. Devemos reforçar, dando exemplos de bons segredos, como uma festa surpresa para um irmão ou parente. Ou ainda onde determinado presente ou objeto foi escondido para que outra pessoa o procure. Crianças adoram segredos e os abusadores se utilizam desta vulnerabilidade. Portanto, nunca é demais incentivar a criança a contar tudo, sem guardar segredos a respeito de adultos que sugerem isso para tocar ou serem tocados. 

4- Comunicação aberta e sem julgamentos. Crianças abusadas podem sentir vergonha e medo. Por esse motivo não contam o que ocorreu aos pais. Eventualmente sentem medo da reação que os pais possam ter. É importante que estes mantenham uma postura de não julgamento ou repreensão da criança, acolhendo-a com carinho, estimulando que conte, sem medo, o que teria ocorrido. Os pais também devem controlar sua ansiedade ou raiva, para não tornar a conversa em um interrogatório que intimide a criança.  Se uma criança se sentiu desconfortável com algo, provavelmente merece ser conversado com os pais. Valorizem o desconforto dos filhos porque estes não ocorrem “por nada”. 

5- Quem é de confiança?  Entre desconfiar de todos e não desconfiar de ninguém, existe um enorme espaço. Com relação a estranhos é mais fácil se fazer essa diferenciação. As regras “clássicas” continuam valendo: não converse com estranhos, não aceite presentes, não entre no carro etc. A questão fica mais complexa com conhecidos, principalmente porque, não raro, o abusador é conhecido da criança, quando não da mesma família. A criança deve compreender que seus pais são de confiança, mas, deve saber que tem algum familiar fora do núcleo da casa com quem também possa falar e confiar. Pode ser um dos avós, um tio ou até uma madrinha ou padrinho. Isso porque, infelizmente, em alguns casos de abuso, o abusador vive na mesma casa da criança (pai, mãe, madrasta ou padrasto). 

O importante é que não façamos de conta que violência e abuso sexual não existem. Ou, se existem, estão limitados a determinados grupos sociais (longe do nosso).  Infelizmente, o abuso ou violência sexual é um desvio humano que atinge a todas as classes sociais e todas as culturas. É produzida por seres humanos com alto grau de conhecimento e sofisticação cultural, tanto quanto por pessoas sem escolaridade ou acesso à informação. Pior, os abusadores de bom nível educacional tendem a ser mais “sofisticados” na sua abordagem e os pais da criança abusada mais incrédulos de que isso possa ocorrer com seu filho.

Este é um post que não me dá prazer em escrever porque aborda um tema que preferíamos, todos, que não existisse. Mas, como existe, o pior que podemos fazer para nossos filhos é fingir que não existe ou que com os nossos, não ocorrerá. É preciso darmos um ambiente de grande segurança emocional para que nossos filhos falem conosco, se for necessário, sobre este assunto e meios para que se defendam. A regra “Aqui ninguém toca” pela sua simplicidade e objetividade pode ser um destes meios.

Para saber mais visite o site em http://www.underwearrule.org/default_pt.asp. Baixe o livro Kiko e a mão e leia-o com o seu filho. 

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2 comentários em “AQUI NINGUÉM TOCA!”

  1. Dr Roberto,
    Excelente texto!! Abordagem clara, esclarecedora e de fácil compreensão.
    É importantíssimo essa abordagem, principalmente para as classes sociais “mais esclarecidas”, pois esses não acreditam que possam acontecer na deles. O que vemos na clínica, sou psicanalista, são adultos sofridos pelo abuso que nunca foram acreditados nas suas versões e sim alvo de desconfiança que foi uma “fantasia” da pessoa em criança. Com isso carregam uma vida de sofrimentos e consequencias terríveis na sua vida de relações afetivas e pessoais. Um tema que sempre foi tratado como “segredo”, atualmente podendo ser mais difundido e esclarecido.

    1. Dr. Roberto Cooper

      Prezada Adriana,
      Obrigado por seu comentário. Fico feliz quando o que escrevo faz sentido para outra pessoa.

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