Recentemente, conversando com meu cunhado, Rubens, falávamos sobre a confusão que acreditamos existir entre treinamento, aprendizado e educação. Nosso papo não tinha nenhuma pretensão intelectual ou acadêmica. Chamava-nos a atenção para o valor que pais e a sociedade em geral estão dando ao desempenho em provas e concursos. E, a primeira prova, para muitos era um “vestibulinho” para poder entrar na primeira série de uma escola privada. Concluímos que, começando com aquele vestibulinho, se inaugurava uma substituição da educação por treinamento, sem que nos dessemos conta da enorme diferença que existe entre ambos. Esse papo me estimulou a escrever um post sobre educação. Pensei que poderia ser interessante ou, no mínimo, provocar quem lê este blog a pensar junto comigo sobre este assunto.
Mas, acabei não escrevendo o post imediatamente. Esta semana, conversando com Luciana Borges, minha orientadora no mestrado, falávamos da formação dos futuros médicos. Uma conversa também sem pretensões intelectuais, apenas nos perguntando o que diferenciava alguns alunos de outros, no que diz respeito à sua postura diante do aprendizado e, mais importante, dos pacientes. Por que alguns alunos tinham mais compromisso com o aprender do que outros? Por que alguns alunos conseguiam olhar para o ser humano que se apresentava como paciente, enquanto outros viam apenas sinais e sintomas que procuravam decodificar em doenças, valorizando mais um diagnóstico do que a pessoa que estava na sua frente? Claro que esta é uma conversa que não terminou. A continuação desta conversa foi um e-mail da Luciana, sem sequer uma palavra escrita, apenas com o quadrinho da Mafalda anexado. Me pareceu ser um “sinal” para, finalmente, escrever um post sobre educação (e aproveitar o quadrinho!).
Treinamento é algo que implica em repetição, sob orientação ou supervisão, de atos, gestos ou práticas. Existem muitas coisas nas nossas vidas para as quais o treinamento é fundamental. Em geral, as aptidões físicas podem ser melhor desenvolvidas com treinamento. Fazemos isso intuitivamente, quando os filhos começam a andar, comer, beber do copo, tomar banho, se vestir, amarrar os sapatos etc. É a repetição, com orientação que produz o resultado desejado que, em geral, é o de tornar automático o que foi treinado. Não só as aptidões físicas podem ser treinadas, mas o uso de tecnologias ou de ferramentas, podem se beneficiar de treinamento. As condições para que um treinamento tenha sucesso, sem entrar em nenhuma teoria sofisticada, seriam: paciência, perseverança e criatividade, por parte tanto de quem orienta o treinamento, quanto de quem o recebe. No caso de crianças pequenas, devemos estar atentos ao tempo que estas “suportam” ficar focadas em algo. Em geral é muito curto e, nós adultos, na tentativa de acelerar ou antecipar os resultados, podemos submeter a criança a um esforço que torne o treinamento chato ou sofrido. Portanto, todo treinamento, deve ser prazeroso, o que não significa fácil ou sem esforço. Finalmente, elogiar quando um acerto ou objetivo é alcançado, por menor que seja, é muito mais eficiente do que criticar um erro.
Aprendizado é quando alguma informação é transmitida de uma pessoa para a outra. Em geral, é o que as escolas fazem- ensinam. Não raro, as escolas misturam ensinar com treinar. Ensinam um conteúdo e treinam a criança para fazer uma prova. Escolas que conseguem melhores índices de aprovação em vestibulares e concursos, são consideradas ótimas escolas apesar de praticarem o que poderia ser chamado de “ensino bulímico”. “Entopem” a criança de informação e pedem para que ela a “vomite” na prova. No final, não sobra nada!
E, francamente, qual a aplicação prática do que as escolas nos ensinam? Quantas vezes, na sua vida, você usou o conhecimento de que a soma dos ângulos internos de um triângulo qualquer vale 180º? Ou então, quando que saber os principais afluentes da margem direita do rio Amazonas (Juruá, Purus, Madeira, Tapajós e Xingu), foi de alguma utilidade prática ou teórica para você? Talvez esses exemplos e centenas de outros que foram decorados por nós, sirvam para jogos e desafios de memória e nada mais.
Treinamento e aprendizado são muito importantes. No entanto, o mundo em que nossos filhos serão adultos, não é este que conhecemos hoje. Será um mundo radicalmente diferente. Portanto, o treinamento e aprendizado que lhes damos hoje, não servirão (ao menos parcialmente) para este mundo futuro. Mas, a educação, essa terá valor, sempre. Um pouco antes, no texto, perguntei qual era a aplicação prática do que nos ensinaram na escola. Agora pergunto, se volta e meia, não estamos dizendo algo como: “minha mãe sempre me dizia…” ou “numa situação como essa, meu pai tinha uma frase ótima” ou ainda “vovô, que nunca tinha ido para a universidade, mas era um sábio, nessas horas diria….”. O que ouvimos de nossos pais a respeito de situações e comportamentos vale até hoje, mais do que a escola nos ensinou.
O que seria então, educação? Sem grandes preocupações com definições teóricas (e existem muitas!), diria que educação é o que nos prepara para compreendermos o mundo em que vivemos, participando ou contribuindo para sua modificação. Educação seria, portanto, uma construção permanente. Uma obra inacabada, em contínuo movimento. Paulo Freire, um educador fabuloso, entre outras coisas, disse: “Educar é impregnar de sentido o que fazemos a cada instante!”
Valores, moral, senso de justiça, respeito pelos outros, cordialidade, isso é educação. Educação não se terceiriza, contrata ou compra. Educação só acontece quando a transmissão se dá com afeto ou emoção e, acima de tudo, credibilidade. Educação não é uma palestra ou discurso. Não é uma “lição de moral”. É uma atitude, uma forma de existir no mundo, que nossos filhos absorvem, dão o seu toque pessoal e incorporam como sendo suas verdades na e para a vida. Educação não é para sermos mais produtivos ou eficientes. É o que permitirá aos nossos filhos serem sujeitos (donos) das suas vidas, buscando o que todo mundo busca, ser feliz.
Aproveitem o domingo para sair com seus filhos, educando-os a ler o mundo, antes de ensiná-los as letras e numeros. Divirtam-se!
PS1- o blog ficou longo, devem perceber o quanto eu gosto do assunto.
PS2- Prof. Luciana e eu achamos que o que diferencia alguns alunos de outro é a educação. Principalmente porque muitos vieram das mesmas escolas e aprenderam as mesmas coisas!
10 comentários em “TREINAMENTO, APRENDIZADO E EDUCAÇÃO”
“Só o amor salva a família do egoísmo, do abandono, da miséria. Sendo pobre, o amor a socorre na solidariedade; sendo rica, o amor sensibiliza e a convence de que as coisas preciosas da vida não se compram com moedas da sociedade, por isso a necessidade de uma escola que ensine a amar.” Ivone Boechat.
Deise,
Obrigado por enviar este texto, muito bonito e pertinente. O essencial não é comprável!
Educar é desenvolver progressivamente as faculdades do homem. Pestalozzi.
Tudo que é aprendido com afeto e significado é transformado em competência e atitude diante da vida e do ser humano. Por isso a educação da criança deve ser pautada no amor, não aquele amor complacente, sem limite, mas aquele que prepara a criança para aprender com o sucesso e a frustração. grande abraço!
Luciana,
Que surpresa agradável ler seu comentário. Obrigado por participar do blog com uma mensagem que, certamente, interessa a todos que passam por aqui.
Atenção mamães e papais, este comentário foi feito por uma pediatra que, dentre outras coisas, coordena o Mestrado de Saúde da Família. Vale a pena ler o que ela nos escreveu!
Obrigado!
Eu que agradeço todas essas informações , dicas e conselhos e tudo mais , que nos ajuda a sermos pais melhores, e a frase de Pestalozzi faltou uma palavra”, Educar é desenvolver progressivamente as faculdades espirituais do homem”.
Olá, meu Nome é Flávia tenho uma filha de 6 anos e estou muito preocupada, por ela sempre está fazendo perguntas bobas, tipo minha mãe pode beijar outro homem, pode matar, pode roubar, meu pai pode ter outra mulher e não sei o que fazer, mudamos de casa e ela dormia só em seu quarto agora não mais, gostaria de uma ajuda do que fazer.
Prezada Flávia,
Me parece que vale a pena uma conversa mais longa com seu pediatra. Fica difícil, senão impossível, opinar sem conhecer detalhes e/ou um histórico mais completo da sua filha e do contexto familiar. Uma outra possibilidade, seria uma consulta a um psicólogo para avaliar melhor a dinâmica familiar. Espero que compreenda a limitação do blog no que diz respeito a responder especificamente sobre uma criança, sem conhecê-la.
Ola Dr. Cooper,
Quão interessante foi a sua abordagem Dr. Cooper. Fiquei um pouco confusa se eu educo ou treino a minha filha….A única coisa que sei é que ela aprende 🙂
Acredito que eu a educo, tento transmitir com muito amor e carinho nossos valores e nossos conceitos, mas eu penso:” e então…como eu a educo ? ” E este educar me traz em mente cenas repetitivas e diálogos um tanto quanto comuns-monótonos as vezes: ” isso mesmo filha…ou então, ” que tal fazermos de uma outra maneira?” … ou ainda “Olha só que legal isso”…e as vezes “Esse não foi tão legal assim…”
A educação bem como o aprendizado não se dão por um processo de repetição, assim como um treinamento ?
Vejo um treinamento como uma imposição, uma necessidade…algo que não necessariamente achamos correto mas como “dever” e obrigação”.
Crianças pequenas não simplesmente entendem e aprendem numa única e exclusiva vez, certo ? Existe o árduo e lento processo de paciência de repetir e “ensinar” o que achamos correto, direito.
Acho que não entendi o conteúdo do seu post… Você poderia me explicar de uma outra forma ?
Fiquei intrigada hahahaha.
Quanto a conversa com o seu cunhado eu diria que particularmente eu acho BIZARRO essa historia de vestibulinho, sem pé nem cabeça. E o pior é que sou amiga de várias mães que chegaram a colocar os filhos para fazer o vestibulinho alegando que não gostariam que seus filhos deixassem de ter as mesmas condições e “treinamentos” das demais crianças…ASSUSTADOR.
Aqui nos EUA existem algumas escolas publicas que possuem essas provas para admissão e como no Brasil, o processo é o mesmo, as crianças são submetidas a aulas particulares a fim de que estejam aptas a fazer a prova ! São a minoria mas existem !
E, para finalizar meu longo pedido anteriormente feito, adorei a abordagem dos diferentes posicionamentos dos médicos, super bem colocado. Nós, pacientes, as vezes somos surpreendidos por um Dr. Cooper que consegue olhar para o ser humano que se apresenta como paciente.
Bjs
Bia
Bia,
Obrigado, uma vez mais, por sua participação no blog. Vou tentar, em poucas linhas, esclarecer o que não ficou claro no post. Primeiro, devo dizer que treinamento e aprendizagem são importantíssimos. Precisamos usar essas ferramentas para ajudar nossos filhos a desenvolverem aptidões físicas e intelectuais. Se treina andar de bicicleta, nadar, subir escadas etc. A repetição, com supervisão, correção carinhosa e reforço positivo (elogios) é a base de um treinamento. Se ensina a tocar piano, fazer contas, ler etc. Tem muita semelhança com treinamento, mas tem um componente intelectual diferenciado. Não é só algo mecânico. Tem uma função cognitiva (do pensamento), envolvida. De novo, supervisão, correção carinhosa e reforço positivo (elogios), são fundamentais. Treinamento e aprendizado fazem as pessoas passar nos teste e provas, participar de competições esportivas, se divertir fazendo coisas. Educação é algo que você passa sendo quem você é, transmitindo valores. Não serve para vestibulinhos ou vetibulares, mas, é essencial para formar uma pessoa que seja dona do seu destino. Ser, é produto da educação. Fazer, tem mais a ver com treinamento e aprendizado. Espero ter esclercido.
Pelo que já me escreveu, não tenho dúvida de que educa, treina e ensina!