SOBREPESO E OBESIDADE

Talvez a função mais importante de um pediatra seja a de contribuir para a prevenção de doenças. Tanto na própria infância, quanto na fase adulta. O que me dá mais prazer na minha clínica é saber que estou contribuindo para a manutenção da saúde, no longo prazo, dos meus pacientes.

Assim, quando os pais mantêm um calendário vacinal em dia, ou fazem seus filhos usarem adequadamente cintos de segurança, capacetes e outros equipamentos de proteção, estão prevenindo problemas e preservando a saúde das suas crianças.

Um tema extremamente complexo e muito falado é o da obesidade e do sobrepeso, inclusive na infância e adolescência. Estamos vivendo uma epidemia de obesidade infantil no mundo e o Brasil não é diferente. Como não é uma situação que coloque em risco visível a saúde da criança e envolve variáveis muito difíceis de serem controladas, não assumimos, como deveríamos, um comportamento mais enérgico e eficaz na prevenção da obesidade.

Como toda ação de prevenção, há uma resistência natural em se tomar medidas e iniciativas, se o problema não é visível. Como sequer temos a certeza de que o problema ocorrerá, sempre imaginamos que conosco ou nossos filhos, não ocorrerá.

Mas o fato é que a obesidade ou sobrepeso na infância aumenta, em muito, a probabilidade do aparecimento de doenças, muitas delas graves ou que têm o potencial de reduzir o tempo de vida dos seus portadores. Duas se destacam: doenças cardiovasculares e o diabetes. Crianças gordas têm uma probabilidade muito maior de sofrerem, na vida adulta, de hipertensão arterial, aterosclerose, infarto agudo do miocárdio, acidente vascular cerebral e diabetes do que crianças com o peso dentro da normalidade. A aterosclerose é uma doença que hoje já sabemos que se inicia na infância! Além dessas doenças, crianças obesas poderão sofrer de problemas ósseos e articulares, ainda na infância. Muitas doenças respiratórias são causadas ou pioram em crianças acima do peso. Doenças de pele tendem a ser mais comum em crianças obesas.  A obesidade infantil pode diminuir a autoestima da criança, gerando insegurança, isolamento e um leque de comportamentos que podem ser responsáveis por dificuldades relevantes na adolescência e na vida adulta.

Ao listar, de forma resumida, os riscos envolvidos com a obesidade infantil, eu gostaria de alertar a todos para o fato que gordura corporal não é algo banal ou para ser desprezado. Não basta ficar torcendo para que: “quando crescer, emagrece”.  Evidentemente que com os estirões do crescimento, ocorrem emagrecimentos. Mas não devemos depender disso.

Excluindo os poucos e raros casos onde a obesidade é produzida por uma doença, a grande maioria dos casos ocorre porque a quantidade de energia acumulada através da alimentação é muito superior à gasta nas atividades físicas. Basicamente é este desbalanço entre a quantidade de energia que entra e a que é utilizada, que produz obesidade.

O tratamento seria fácil! Basta comer menos e gastar mais. Ocorre que nós humanos não somos máquinas. A alimentação, desde tempos remotos, se reveste de múltiplas características ou funções. A menos importante talvez seja a nutricional em si. É através da alimentação que a maioria das culturas expressa carinho, interesse e afeto. As refeições, em geral, são eventos de socialização e não apenas “paradas para encher o tanque”. É no jantar que a família se encontra, compartilha bons momentos, conta o que fez durante o dia, faz programações, chama a atenção para comportamentos insatisfatórios, enfim, um momento em que a comida é uma coadjuvante. Claro que quanto mais gostosa e saborosa, mais um motivo para permanecerem à mesa. Portanto o primeiro problema é relacionado às múltiplas finalidades sociais da comida e refeições. O segundo grande problema é a relação individual que estabelecemos com a comida. O prazer e a saciedade que esta gera em cada um de nós é determinante para que estabeleçamos um padrão de alimentação individual. O terceiro problema é de ordem econômica. A pressão que a indústria alimentícia faz é no sentido de que consumamos, cada vez mais, alimentos industrializados. Nem sempre estas escolhas são as mais saudáveis. O quarto problema é sócio-econômico-cultural. Com ambos os pais trabalhando fora, fica ainda mais difícil se garantir uma boa educação alimentar. Esta ausência, muitas vezes busca ser compensada com uma tolerância maior por guloseimas e ‘bobagens “. Finalmente, um outro problema é o da tecnologia versus atividade física. Controles remotos, janelas automáticas, televisores ou computadores em cada quarto, contribuem para um padrão de imobilidade que é totalmente diferente da mobilidade das crianças cujo laser era essencialmente ao ar livre. Há uma correlação direta entre o número de horas em que uma criança fica assistindo TV ou diante de um computador e obesidade ou sobrepeso. Quanto maior o número de horas, maior a probabilidade de desenvolvimento de obesidade. Junte os fatores todos, misture e veja como é complexa essa situação. Isso do lado do consumo de energia.

Quanto à atividade física, esta exige muitas vezes uma logística que nem todos os pais podem oferecer a seus filhos. Muitas crianças farão a atividade física da escola e, eventualmente, nos finais de semana. Portanto, na ponta de gastar energia, também temos dificuldades práticas.

Para tornar o problema ainda mais complexo, um estudo publicado  na New England Journal of Medicine, uma das mais prestigiosas e sérias publicações médicas, revela que a obesidade é como uma doença contagiosa! Acompanharam 12.067 pessoas de 1971 a 2003 (em um estudo famoso-Framingham Heart Study) e concluíram que além dos aspectos biológicos e comportamentais envolvidos, a obesidade se difundia através de relações sociais. Dito de outra forma, a probabilidade de uma pessoa se tornar obesa aumentava em 57% se esta tinha um amigo ou amiga obeso. Se um membro do casal se tornasse obeso, o outro teria uma chance 37% maior de se tornar obeso também.

Eu poderia simplesmente fazer uma lista tradicional, dessas que aparecem de tempos em tempos na imprensa, contendo os seguintes tópicos:

– coma menos, coma mais legumes, vegetais e frutas, como mais comida “caseira” e menos industrializada.

– se exercite mais

– reduza o teor de gordura da sua alimentação, eliminando a gordura trans.

– faça mais refeições por dia, nunca permanecendo longas horas em jejum.

– prefira carboidratos complexos (farinhas integrais)

– não faça dieta, aprenda a comer para a vida.

Esta lista, genérica, serve também para as crianças. Com estas devemos ter cuidados específicos como não restringir em demasia as calorias e, principalmente, não tornar a alimentação em um momento de desprazer.

Mas a lista que eu considero a mais importante, a que me deixará com a consciência mais tranqüila de ter tentado contribuir para a manutenção da saúde de seus filhos, meus pacientes, seria assim:

– obesidade mata Quem é obeso morre mais cedo e/ou vive pior.

– obesidade se previne na infância

– a prevenção da obesidade exige o envolvimento de toda a família, incluindo os empregados da casa.

– esse envolvimento passa, obrigatoriamente, por uma revisão e eventual mudança, de hábitos alimentares de toda a família.

– novos hábitos exigem disciplina. Do mesmo modo que escovamos os dentes todos os dias, um hábito disciplinar, ou nos exercitamos regularmente, assim deve ser encarada a mudança de hábito alimentar.

– existe muita invenção e mitologia em torno da alimentação e alguns alimentos em especial. Não existe mágica, nem truques. Alimentação diversificada, balanceada, com porções adequadas de proteínas, carboidratos e gorduras.

– pais e mães deveriam levantar o tema nas escolas, introduzindo cardápios mais saudáveis, principalmente nos lanches.

– pais e mães deveriam fazer um pacto para que as festas infantis passem a servir comidas mais saudáveis e não, como diz um cliente e amigo, verdadeiras bombas calóricas.

Finalmente uma palavra de alívio, antes que achem que o Dr. Roberto Cooper se tornou o novo xiita da alimentação. Entre o extremo de uma alimentação desregrada e o de uma alimentação orgânica restritiva, existe uma enorme margem para que possamos comer com prazer, descontraídos e sermos saudáveis. Cachorros quentes e brigadeiros ocasionais, serão muito bem vindos. Mas não como regra,

Para as famílias que efetivamente desejam uma mudança de hábitos alimentares, uma vez tomada a decisão, o melhor a fazer é buscar informação correta. Eventualmente a prescrição de um nutricionista experiente e sensato facilitará em muito a vida da família.

E eu, como sempre, estou à disposição para conversar com vocês sobre este ou qualquer outro tema relacionado à manutenção da saúde de seus filhos.

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