Depois de nove meses imaginando um bebê, ele chega! A alegria se completa quando o pediatra se vira para os pais, ainda na sala de parto e diz: está tudo ótimo, ele é normalíssimo. Do lado de fora, avós, familiares e alguns amigos mais próximos, colam os rostos no vidro do berçário, esperando a chegada do bebê. Assistem à primeira pesagem e já fazem comentários sobre o vigor do choro e até arriscam alguns palpites de “com quem se parece”? É uma euforia que mal dá para parar e pensar no que está acontecendo. Um furacão na vida dos pais.
Dois dias depois, chegam em casa. Agora, sozinhos. Isto é, onde eram dois e um bebê imaginado, sonhado, são três. O casal e um bebê de verdade. E o bebê de verdade começa a fazer coisas que não estavam nos sonhos. Ele soluça (será normal, como fazer para parar?), espirra (será que já pegou um resfriado?) e faz uns barulhos pelo nariz (está entupido, não respira direito, o que faço?). Para completar a cena, o bebê chora. E como chora! Será a fralda? Frio? Calor? Fome? Verifica tudo, coloca no peito e não pega direito. Tiram do peito e o bebê golfa (será que tem refluxo?) e chora. Os pais se lembra de tudo que leram, dos cursos ou palestras que assistiram e nada parece funcionar. Se entreolham e, silenciosamente, se perguntam: cadê o manual?
Com em um filme, o diretor diz: corta! A cena já muda para uma casa com uma criança de dois anos de idade. Uma adorável criança que corre para lá e para cá, diz coisas engraçadas e é alegria em pessoa. Mas, essa mesma criança anda um pouco cheia de vontades. Não come mais nada que seja verde. Só de ver um verdinho mínimo no prato, o empurra, chuta a cadeira e abre o berreiro. Você conversa, brinca, distrai. Não funcionando, fala com mais energia, adverte e ameaça um castigo. A adorável criança berra com mais força e você se você obrigado(a) a cumprir a ameaça de castigo: vai para o seu quarto e pensa um minuto. É o minuto mais longo da sua vida, você se sente um(a) desalmado(a). Sem explicações, a tempestade passa e lá está a adorável criança, brincando novamente. Na hora de dormir, novo drama. Quero isso, quero aquilo, deita, levanta e vem atrás de você. Depois, o cansaço toma conta e se expressa por irritação e choro. Chora tanto que engasga. Ao engasgar, tosse. Tossindo, vomita. E vocês se entreolham e, silenciosamente, se perguntam: cadê o manual?
O diretor do filme grita: corta! E a cena muda para uma casa onde vive um adolescente. Pouco importa se menino ou menina. Um adolescente. A vida tranquila cede espaço a uma negociação permanente. Arrumar o quarto, deixar o banheiro minimamente usável pelo próximo, comer com modos, cumprir combinações, exigem negociações intermináveis. Discussões sobre o valor de cada coisa que é pedida e desabafos sobre a injustiça cósmica que se abate sobre o adolescente. Claro que todos os outros pais são muito mais legais e permissivos do que vocês, pessoas ultrapassadas, sem noção! No jantar, perguntas embaraçosas sobre sexo e drogas. Tudo é um teste e um pedido de limites. É preciso estar atento o tempo todo, sem temer o enfrentamento e a colocação dos limites, aguentando o rancor que essa atitude gera. Numa noite onde o jantar transcorre de forma surpreendentemente calma, o adolescente pergunta: posso fumar maconha em casa? Passado o susto da pergunta, vocês se entreolham e, silenciosamente, se perguntam: cadê o manual?
Centenas de manuais são escritos a respeito de tudo que se possa imaginar. Existem manuais que ensinam como trocar fraldas com uma só mão, submergir o bebê sem afogá-lo, desfraldar com 6 meses, desenvolver a inteligência emocional da criança de um ano, dormir a noite toda, comer legumes e verduras com enorme prazer etc. A lista é interminável. Isso sem contar com a internet, onde é possível se encontrar de tudo. Mas, tudo que foi escrito, principalmente os livros que ensinam como devemos agir, o que devemos fazer, ou levam em conta estatísticas com suas médias ou experiências pessoais. Ninguém escreveu um manual sobre o seu filho porque ele é único. Ele não é uma média (ninguém é), tampouco se encaixará na experiência de outros pais com seus filhos.
Em um mundo onde há uma cobrança permanente por performance, não há espaço para a insegurança e o aprendizado que constroe o conhecimento objetivo e revela os afetos que contribuem para o desenvolvimento dos nossos filhos. Nesse mundo, os manuais triunfam e aí de você ou do seu filho se não se encaixarem nos padrões! Vocês têm problemas, sérios!
Meu post de hoje é para dizer o oposto. NÃO COMPREM MANUAIS. SE COMPRAREM, NÃO LEIAM. SE LEREM NÃO LEVEM A SÉRIO. SE LEVAREM A SÉRIO E SE SENTIREM NÃO ENCAIXAR, JOGUEM FORA O MANUAL! É O MANUAL QUE ESTÁ ERRADO, NÃO VOCÊS!
Só existe um manual para nossos filhos e este não está na razão e sim na emoção. Faça o que o seu coração sinalizar, temperando com sua experiência de vida e uma dose de bom senso. Esse é o manual que funciona. Os outros, só nos deixam mais inseguros e os autores mais ricos.
Dá um certo medinho, sempre (estou fazendo certo?). Mas, é o que de melhor podemos dar para nossos filhos. Se não fosse, um i-pad com um aplicativo chamado “pais perfeitos” cuidaria de nossos filhos. Estes não precisam de pais perfeitos. Precisam de pais afetivos, suficientemente bons.
11 comentários em “CADÊ O MANUAL?”
Que texto maravilhoso Dr. Roberto!
Tenho uma bebe de quase dois anos e você a descreveu desde o seu nascimento. Bom, agora pude ver o que vem pela frente rsrrss … E sabe que estou adorando?! Ela me fez a voltar a ser criança, me fez voltar a brincar no chão, cantar, dançar e ser MUITO mais feliz. Nos momentos de birra (raros graças à Deus) há sempre um diálogo e temos nos entendido muito bem.
A adolescência não me assusta, pois pretendo passar pra ela td que minha Mãe me passou, e sei e torço que ela tenha uma visão da vida tão boa quanto eu tenho.
Amei o post e sou muito sua Fã.
Um abraço… Thaise.
Prezada Thaise,
Obrigado por participar do blog e compartilhar a sua alegria de ser mãe. Sua filha, certamente, vive em um ambiente de muito carinho, melhor do que qualquer manual. Obrigado também pelas palavras gentis com relação ao blog.
Informações que com certeza explicam as transformações que ocorrem nas vidas dos pais, principalmente para nós, os marinheiros de primeira viagem, que constantemente se deparam com situações novas que nos deixam de “cabelo em pé”. Obrigado!
Prezado Marlon,
Obrigado por participar do blog com seu comentário. Não se assuste com essa primeira viagem. Tenho a certeza de que saberá como fazer, sem precisar de regras ou manuais. Claro que a experiência dos outros ajuda, mas são vocês, pais, que devem ousar e testar. Não se exijam a perfeição.Pais não precisam ser perfeitos!
Grande Cooper, muito bom este texto. Acabo de “ter” uma neta (03/01) e nada melhor que este texto para presentear meu filho Gabriel e esposa Marcia.
Concordo plenamente que o melhor, se não o único, manual seja nosso coração.
Abraços, Cleodon
Cleodon,
Que agradável surpresa encontrar sua participação no blog. Espero que o texto seja bem recebido pelo seu filho e nora, ajudando-os no cuidar do seu neto. Se eu puder ajudar com alguma coisa, me avise. Abraço.
Parabéns Dr Roberto Cooper, muito bom este texto. Vou compartilhar este texto com nosso filho e nora que tem um tesouro de 2 anos, e com nossa filha e genro que estão esperando uma princesa que chegará no inicio de julho se Deus quiser.
Concordo plenamente que o melhor manual seja nosso coração.
Abraços, Rogeria.
Prezada Rogeria,
Obrigado por participar do meu blog e compartilhá-lo com seu filho e nora. Fico feliz quando escrevo algo que seja útil para os outros.
Olha o winnicott de novo aí, legal! Não me canso de ler seus posts, ainda bem q encontrei seu blog enquanto estou de licença maternidade, lendo letrinhas miúdas pelo celular, com dificuldade de escrever com esse corretor automático horroroso, mas ainda assim, satisfeita de estar lendo em vez de dormindo, enquanto minha pequena dorme!
Carolina,
Você me pediu um post sobre como dormir a noite toda. Primeira sugestão: desliga tudo que é eletrônico e vai dormir enquanto sua filha dorme! Não resisti à brincadeira.
Hahaha, deixei a bola quicando, né? Merecido! Obrigada!