A vida não é fácil para ninguém. A vida pode ser boa, mas fácil, nunca é. A vida em si nos impõe dificuldades que se iniciam no nascimento. Nascer é um processo que tem lá seu grau de esforço e dificuldade, tanto para a mãe, quanto para o bebê. Depois, sucedem-se fases do desenvolvimento e amadurecimento que exigirão, por parte da criança, enfrentar e superar dificuldades inerentes a este processo. Das primeiras mamadas, aos primeiros dentes, seguindo para o esforço de engatinhar, ficar de pé e andar, ainda que naturais e comuns à nossa espécie, nada é “moleza”. Segue a vida e surgem as primeiras palavras. A linguagem é uma conquista que leva tempo e muito esforço. Temos ainda a socialização, a descoberta do outro e a frustração de um mundo que não está posto para me servir, com exclusividade. Vida que segue, regras e normas na escola, deveres, obrigações e um aprendizado de tantas coisas que não fazem sentido para nós. O despertar para o sexo oposto é um mundo de dúvidas e angústias. Ninguém vai olhar para mim, não sou suficientemente atraente ou, mais frequentemente, sou horrorosa ou horroroso! O que responder quando a família me pergunta- o que você quer ser quando crescer? Como vou saber? O resto da história, todos conhecem. Uma escolha profissional, uma escolha para constituir família, compromissos, obrigações, contas a pagar, ameaça de desemprego, plano de saúde que deixa a desejar e filhos. Ah, os filhos! Um novo mundo de amor, prazeres e alegrias se abre. Junto, novas dificuldades na vida cotidiana. Vejam que meu relato é superficial, abordando situações objetivas e visíveis. Mas a vida é muito mais do que isso que vemos. É o que sentimos e nem sempre falamos. É também o que se passa fora do mundo lógico, mas no simbólico, no mundo das emoções, nem sempre plenamente conscientes. A vida não é fácil para ninguém!
Se concordarem comigo de que a vida não é fácil para ninguém e ainda estiverem de acordo que pais, em geral, querem que seus filhos tenham vidas boas, felizes, plenas, vamos ter que rever o modelo de pais helicóptero, adotado por muitos. Mas o que seriam pais helicóptero? São pais que estão sobrevoando seus filhos, 24h por dia, 7 dias na semana, independentemente da idade que tenham. São pais que, apesar de saberem que a vida não é fácil, por algum mecanismo, confundem essa realidade com sofrimento. Esforço, superação de dificuldade, não é necessariamente sofrimento. Alguns pais não toleram a ideia de verem seus filhos fazendo um esforço (normal, desejável) que já descem de rapel do helicóptero ao resgate do filho. Os pais helicóptero ficam atentos à menor frustração vivida pelos filhos e, rapidamente, buscam elimina-la. Pais helicóptero não conseguem exercer sua autoridade legítima, impondo (escolhi esta palavra de propósito!) limites, porque temem que isso possa “traumatizar” seus filhos. Até situações evolutivas normais como a dentição, são vividos pelos pais helicóptero como um “problema” a ser “resolvido” e não como um processo natural que merece carinho e amparo, sem grandes dramas. De um modo muito simplista, pais helicóptero vivem a ilusão de que poderão evitar toda e qualquer dificuldade para seus filhos.
E qual o problema em ser um pai helicóptero? Afinal de contas, se conseguir evitar que meu filho sofra, não é melhor? Esta pergunta é ótima porque nos remete à confusão que citei acima. Esforço não é sinônimo de sofrimento. Longe de mim fazer a apologia de que o sofrimento é bom. Sofrimento, nunca é bom e merece ser atenuado, sempre que possível. Outro ponto importante é que, assumindo que a vida não é fácil para ninguém, como sustentar uma educação que impede a criança de enfrentar e superar dificuldades? Seria o mesmo que tentar ensinar uma criança a andar de bicicleta, sem nunca soltar o selim! Como esperar que nossos filhos sejam adultos resilientes, com capacidade de tolerar a frustração (que vivemos todos os dias em maior ou menor escala), que saibam se auto consolar, se, nunca lhes damos a oportunidade de desenvolver essas aptidões necessárias a uma vida harmônica em sociedade?
A questão é que, quando o bebê nasce e por uns bons meses, ele (o bebê) tem uma dependência absoluta dos pais. Nessa fase, temos todos que ser pais helicóptero! Temos que estar ali, sobrevoando o bebê, 24h por dia, 7 dias na semana, entendendo e antecipando suas necessidades. É uma fase em que esse cuidado absoluto é fundamental para o bom desenvolvimento e amadurecimento da criança. É o colo dos pais, associado ao cuidado com o ambiente em torno do bebê, de modo a que seja facilitador do desenvolvimento, que vai permitir que este desenvolva a capacidade que todos os bebês têm de amadurecimento. Não se “estraga” ou mima um bebê pequeno. O colo, o contato com os pais, não é um luxo e sim uma necessidade para que as fundações de um amadurecimento saudável sejam fixadas. Mas, há um momento em que, desta fase de dependência absoluta, o bebê passa para uma de dependência relativa. Neste momento, os pais devem aposentar o helicóptero (o cuidado absoluto) e passar a oferecer um cuidado relativo, coerente com a fase do filho. Assim, para cada fase dos nossos filhos, nós também devemos mudar o “perfil “do cuidado. Neste caso, onde pais abandonam o helicóptero, passam a oferecer o espaço necessário para que a criança se desenvolva, sem estar “sufocada” por um cuidado absoluto de que não precisa mais.
Não há uma fórmula que possa ensinar aos pais a quando deixarem o helicóptero de lado. Apenas recomendo que olhem para seus filhos (e não para o Google ou algum livro ou blog escrito por pediatra!) e ousem. Olhar cuidadoso associado a tentativas, erros e acertos, é o que funciona. Só não dá para imaginarmos que, para uma criança em evolução e amadurecimento, poderemos adotar uma forma única e contínua de sermos pais. À medida que a criança cresce, nós também temos que nos modificar e adequar nosso modo de interagir com os filhos.
A única coisa que não muda é o amor e afeto que sentimos. Este está presente sempre e é o que garante que pais que “falham” aos olhos dos filhos (deixar de ser pai helicóptero), pais que dizem não, pais que não tem receio de exercer a autoridade, sem autoritarismo, sejam amados por seus filhos, ainda que, na superfície reajam, briguem e esperneiem. Não temam essa superfície. É muito melhor ter uma superfície revolta do que uma tranquila, com correntezas profundas, perigosas e invisíveis. Estas, só se manifestarão mais tarde, em um adulto com dificuldades de viver uma vida boa, ainda que nada fácil!
Gostaria de agradecer à Fernanda, mãe da Ana Helena, que me apresentou à expressão pais helicóptero, inspirando este post.
PAIS HELICÓPTERO!
- Dr. Roberto Cooper
- 10/29/2017
- 14:54
- 3 comentários
- Dr. Roberto Cooper
- 10/29/2017
- 14:54
- 3 comentários
3 comentários em “PAIS HELICÓPTERO!”
Obrigada, Dr. Roberto! Como sempre, sábias palavras! Um grande abraço!
Roberto, tenho reparado que os pais atuais morrem de medo de que seus filhos não os amem, e assim dão a eles uma ferramenta poderosa de chantagem que eles percebem que têm, e usam quando de seus interesses. É o principal motivo para a geração de mimados “entitled”.
Dr. Roberto, parabéns pelas palavras.