de: CRIANÇA@VIVERSEDIVERTINDO.ORG para: PAIS@PREOCUPADOS.COM

criança computador2Mamãe e Papai,

No dia da criança, queria aproveitar para lhes dizer algumas coisas que considero importantes e, talvez, vocês não tiveram a chance de ouvir antes.  O autor deste blog, que gosta muito de crianças, me ofereceu o espaço para escrever. Achei uma ótima ideia e aceitei.

A primeira coisa que eu quero lhes dizer é que vocês se pré-ocupam demais. Isto é, adoecem de futuro. Parece que essa é uma doença de adultos que se ocupam, antes da hora, com o futuro. Eu, como criança, só consigo viver a vida no presente. E ainda desconfio que se existe esse tal futuro, o melhor jeito de eu poder vive-lo vai ser tendo vivido de forma intensa e adequada todos os presentes que existem antes de chegar nele (futuro). Pode parecer um pouco confuso para vocês, mas o sapo da lagoa, aquele que não lava o pé, me disse para dizer isso para vocês de um jeito que vocês entendessem. Ele disse uma frase que eu não entendi bem, mas, me garantiu que vocês entenderiam: cada coisa no seu tempo, na sua hora!  Claro que eu confio em vocês e se pensam nesse tal futuro, devem ter seus motivos (ou não). Mas, gostaria que pensassem um pouco no que eu disse e, ao invés de antecipar as coisas, aproveitem, comigo, o presente.

Outra coisas que eu não sei se vocês sabem, mas, quando eu era bebê, eu chorava sem motivo. Nem eu mesmo sabia porque eu estava chorando. Claro que eu chorei de fome, de frio, de calor e porque a fralda estava suja e achava o máximo como vocês adivinhavam rápido o que estava me incomodando. Ponto para vocês! Mas, tinha momentos em que eu chorava porque levava um susto com o barulho do leite sendo engolido, ou não entendia bem um trum que acontecia na minha barriga. Teve dias em que eu chorei muito e forte, só porque estava achando divertido e relaxante. Afinal de contas, eu não tinha muita coisa para fazer, além de mamar, dormir e fazer cocô. Chorar era um momento bem animado. Mas, confesso que ficava preocupado, tenso, com vocês, desesperados, tentando entender o meu choro que não era nem de calor, frio, fome ou fralda suja. Também não era de cólica ou dor. Era só choro. E vocês indo e vindo, olhando, apertando, virando, mexendo, eventualmente chorando junto comigo, ligando para parentes, amigos e pediatra. E eu ali, querendo dizer que estava tudo bem, ia ficando nervoso e fazia o que eu sabia fazer de melhor: chorava mais forte! Se, vocês decidirem que eu vou ter uma irmãzinha ou irmãozinho (coisa que eu definitivamente não quero, apesar de, às vezes, dizer que quero), lembrem-se que bebês choram sem motivo também!

Tenho um pedido para lhes fazer, leiam mais comigo. Vocês não imaginam o prazer que me dá sentar no colo e ouvir a voz de vocês, apontando para as figuras no livro. Fico fascinado e gostaria de repetir isso mais vezes. Claro que tem horas que eu não estou tão a fim e vou querer brincar de outras coisa. Não interpretem isso como sendo um não gostar. É só que, como criança, naquela hora, não quero. Mas, se vocês tiverem paciência e, de algum modo, criarem uma rotina de leitura, vou adorar. Depois, já andei pensando, aquele celular e i-pad são bem divertidos também, mas, algo me diz, que estes me hipnotizam enquanto aqueles (os livros) me fazem criar imagens e histórias.

Sei que vocês não fazem por mal, pelo contrário, mas, não gosto de mentirinhas. Por exemplo, quando me dizem que vacina não dói nada, fico uma fera. Dói e muito! Se vocês não querem me assustar, digam que é uma picada que dói mas passa. Ou, não digam nada sobre a dor e comentem que é normal não querer tomar ou ter medo da vacina. E, na hora de aplicar a vacina, não fiquem horas me explicando a sua importância da. Expliquem uma vez, me segurem com força e vamos acabar logo com isso! Vocês não sabem o que é um sofrimento adiado por uma negociação interminável. É muito maior do que a picada que acaba logo. Isso vale não só para vacinas, mas para qualquer coisa desagradável pela qual eu tenha que passar.

E, por falar nisso, nunca entendi porque chamam o pediatra de tio! Nunca vi ele em nenhuma festa da família, nem no Natal! Que tio estranho esse que nunca aparece, só eu que apareço num lugar que nem é a casa dele. Um lugar que tem um nome esquisito: vamos lá no consultório do tio fulano, para ele te examinar. Desconfio que esse tio não é tio. Acho que ele é um médico e aí eu não sei porque vocês não chamam ele pelo que ele é. Adultos tem cada uma!

Talvez vocês imaginem que precisem ser perfeitos, excelentes, maravilhosos, o tempo todo, todos os tempos. Pois bem, outro dia, na consulta com o meu médico, eu ouvi ele contando para vocês o que uma pessoa com um nome muito diferente, Winnicott?, dizia: bebês e crianças não precisam de mães (e pais) perfeitos. Basta que sejam suficientemente bons. Na hora, eu estava brincando com um dos palitinhos que eu ganhei e pensei: por favor escutem porque se vocês forem perfeitos, a minha vida vai virar um inferno! O que o filho de perfeitos pode ser na vida? Perfeito! E, dado que a perfeição não existe, vou passar o resto da minha vida perseguindo algo inalcançável. Relaxem, errem sem medo e cuidem um pouco de vocês, deixando que eu me vire sozinho também.

Quando eu ficar doente, com um resfriado, por exemplo, cuidem de mim, mas, não me sufoquem com cuidados. Fiquem perto, porque isso me faz sentir bem. Não precisam ficar medindo a minha temperatura de meia em meia hora, nem me empurrando comido pela boca adentro, repetindo que é importante comer e que eu não estou comendo nada. Também não fiquem me oferecendo infinitas opções de comidas. Me deixem ficar um pouco quieto, um pouco só, acompanhado  por vocês. Nunca fui adulto para saber, mas, suponho que quando ficam doentes, com febrão, enfiados na cama, também não querem ninguém oferecendo algo ou dizendo o que devem fazer, de 10 em 10 minutos! Se essa minha suposição estiver correta, lembrem-se disso, no meu próximo resfriado.

Aliás, não é só quando eu ficar doente, mesmo saudável,  eu gostaria que me deixassem um pouco em paz. Eu não preciso fazer algo, o tempo todo. Aliás, preciso de um tempinho para não fazer nada para descansar, relaxar e até me tornar mais criativo. Como vocês devem saber, os gregos, sempre eles, perceberam que era preciso um momento de ócio para que se pudesse aprender algo. O ócio é tão importante para o aprendizado que é a origem da palavra escola! Portanto, não precisam encher minha agenda com atividades. Muitas vezes vocês imaginam que se eu fizer muitas coisas durante o dia, dormirei melhor, à noite. Às vezes eu fico tão excitado por causa das atividades que acabo dormindo mal e aí escuto vocês conversando que talvez eu não esteja fazendo atividades suficientes para me cansar! Além disso, quando vocês enchem meu dia com atividades programadas, eu fico sem tempo para inventar as minhas atividades e isso (criar minhas atividades) parece que pode ser importante para aquele tal futuro com o qual vocês pensam.

Um assunto difícil para mim é o dos limites. Eu odeio limites. Simples assim. Mas, fico tão aliviado quando vocês os impõem a mim. Eu brigo, choro, deito no chão, mas, no meu íntimo, fico aliviado por saber que cuidam de mim e que eu posso explorar o mundo sem medo porque estarão atentos e não permitirão que eu quebre a cara (muito). Portanto, peço, imploro, que usem a autoridade de vocês, sempre. Não estou pedindo para que sejam autoritários e até desconfio que, muitas vezes deixam de usar a autoridade porque confundem com autoritarismo. Não é isso. Peço que exerçam o papel de pais, colocando limites, sem se sentirem culpados. Eu vou saber que isso também é amor.

E assim chegamos no assunto mais importante da minha vida: amor. Me sentir amado por vocês é uma delícia. E olha que eu sinto isso desde bebezinho. Cada vez que eu percebo o quanto me amam, seja cuidando de mim, seja lendo e brincando comigo, seja me apresentando o mundo, seja simplesmente me segurando, abraçando e beijando, seja colocando limites como eu já disse, é como uma epifania, um sentido para a vida. Ser amado, que não é mesma coisa que ser paparicado ou ganhar muitas coisas, é o maior presente que vocês podem me dar, no presente. Portanto, no dia da criança, adoraria um abraço apertado e um beijo carinhoso. Claro que um presentinho, como a tal sucata doméstica que o Dr. Roberto descreveu aqui no blog, ou o que vocês quiserem dar, cai bem. Afinal, ninguém é de ferro!

Obrigado por me deixarem ser quem eu sou, amo vocês,

um beijo bem gostoso,

seu filho.

 

8 comentários em “de: CRIANÇA@VIVERSEDIVERTINDO.ORG para: PAIS@PREOCUPADOS.COM”

  1. Lindo texto! 😀👏👏👏👏👏 verdade é que cá no Brasil (e no resto do mundo) estamos vivendo uma cultura da superproteção, ainda que totalmente justificada, porque a violência está aumentando, os crimes estão aumentando, as doenças estão ficando mais perigosas, estão surgindo doenças que podem matar e causar temor, dentre tantas outras coisas, e também temos a cultura (ao menos aqui no mundo ocidental) de preparar nossos filhos para serem “alguém” nessa vida, uma pessoa de destaque, que tenha um emprego que de muito dinheiro, acho isso OK, mas e se eles não quiserem? Será que certos pais acham correto sobrepôr o dinheiro e o glamour à vida dos sonhos dos filhos, ainda que seja muito simples? Será que é correto sobrepôr nossos desejos aos de nossos filhos? Acho que não! Por exemplo, sou cachorreira de carteirinha, quero (muito) montar um canil e viajar pelo mundo, pra conhecer a Itália, Indonésia, Tailândia, Tahiti e Austrália. Minha família apóia e quer ir comigo pra esses lugares rsrsrs eles também são viajantes inveterados, e, sobre o lance do canil, minha família não gosta muito de cachorro, mas respeita meu sonho 😀 e acho ótimo apoiar os sonhos dos filhos, desde que não infrinjam a lei tampouco causem sofrimento físico ou moral. É bem verdade que a tal globalização está virando um tsunami nas nossas vidas, por vezes gerando a cultura da superproteção, ainda que justificada, embora não seja o correto, creio que não devemos esmagar os sonhos e ideais dessas gerações futuras, desde que não causem dano à sociedade 😉

  2. É sempre muito bom ler os posts do seu blog, Dr Roberto. Palavras cheias de sabedoria que nos fazem ter certeza que Sim é possível criar os nossos filhos de uma maneira mais amena. Sem tantas cobranças sobre comportamentos e atitudes.
    De fato nos preocupamos demais com o futuro e esquecemos de viver o dia de hoje.

    1. Dr. Roberto Cooper

      Milena,
      Obrigado por suas palavras gentis. Fico feliz quando o que eu escrevo agrada outras pessoas. Volte sempre!

  3. DOUTOR MEU FILHO TEM 4 ANOS E SUA RESPIRCAO ESTA CANSADA ALEM DE TOSSE MAIS A NOITE COMO FASSO PARA SABER SE ESTA FORA DO NORMAL, POIS JA LEVEI AO MEDICO E ELE ME DISSE Q NAO E NADA MAIS ELE RECLAMA Q SEU CORACAO BATE FORTE POREM NAO TEM FEBRE SO REPIRA CANSADO E TOSSE MUITO..OBRIGADO

    1. Dr. Roberto Cooper

      Prezada Evelyn,
      O Conselho Federal de Medicina proíbe consultas pela internet. Opinar sobre o seu filho, sem te-lo examinado, seria irresponsabilidade minha. Sugiro que ouça uma segunda opinião pediátrica ou, se realmente estiver cansado, procure uma emergência.

  4. Kkkkkkk perfeito !
    Existe post mais adequado para o ” Dia das Crianças” ??? Ele também é adequado para os dias que não são exatamente o “Dia da Criança !!!
    Dr Cooper, seus posts sempre muito bem escritos e explicados nos mostra com simplicidade que ser pai não Eh um bicho de 7 cabeças …. Bom né !?
    Com o segundo filho Eh beeeeem mais fácil …. O Difícil Eh chegar aqui kkkkk.

    Saudades…

    Beijos

    Bia

    1. Dr. Roberto Cooper

      Bia,
      Obrigado por ser uma participante “histórica” do blog. De fato, o segundo é mais fácil e “ganha” algo sensacional que é o ” se vira um pouco sozinho”. Parabéns!

      1. Sem duvida que se vira muuuuito mais e se desenvolve mais rápido e tem menos “frescuras” e nós mães menos medos também.

        Acho que valeria, um dia, um carinhoso post sobre os “segundos”… Quem aliás existem, em muitos casos, em função dos primeiros :-).

        Beijos

        Bia

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