HE FOR SHE DESDE CRIANÇA.

heforsheExistem temas que retornam ao blog. Alguns porque apresentam diferentes aspectos que merecem mais de um post, outros, porque o assunto está em evidência naquele momento, como no caso de uma doença ou lançamento de vacina. Mas, existem alguns temas que voltam porque são assuntos que não se esgotam em si, muito menos em um post. Hoje, vou retomar a questão da (des) igualdade de gêneros, aproveitando o movimento He for She, das Nações Unidas. Trata-se de um movimento que convoca os homens e meninos a participarem ativamente do que era uma assunto exclusivo das mulheres e, mais especificamente, das feministas. O óbvio foi percebido: acabar com a desigualdade de gêneros é bom para todos nós, não só as mulheres. Se é bom para todos, exige a participação, envolvimento e comprometimento dos homens e meninos e não só das mulheres.

Vou tentar escrever sobre este tema, pela ótica do pediatra. E faço isto porque estou convencido de que as desigualdades de gênero somente serão reduzidas se os meninos de hoje, se tornarem homens diferentes do que nós, adultos. Talvez alguns homens adultos reajam, dizendo que já tratam as mulheres como iguais. Mas, o fato é que para qualquer indicador que se use (exceto longevidade), as mulheres aparecem em situação pior do que os homens. As mulheres recebem salários menores do que os homens, por trabalho igual ao nosso. Homens sofrem violências cometidas por mulheres, mas, não se compara com a que os homens produzem nelas. Seja violência física, sexual, moral ou psicológica. As estatísticas mundiais comprovam diferenças significativas nestes dois pontos fundamentais: remuneração e segurança. Ao mesmo tempo que a nossa sociedade valoriza a maternidade, não discutimos, em profundidade, o modelo de amparo que, como coletividade, desejamos dar à família de um recém-nascido. A licença maternidade dura quatro meses, findos os quais a mulher volta ao trabalho. Na prática o empregador percebe a mulher com um potencial custo e, não raro, entre um homem e uma mulher a ser contratado, opta pelo homem, por uma razão de gênero (homens não engravidam). E, em casa, a mulher tem a sua segunda jornada de trabalho, como dona de casa. Não raro para servir a um homem que chega em casa cansadíssimo da sua jornada de trabalho, se atirando em uma cadeira e querendo ser servido (e ela?).

Mas o que isso tem a ver com a pediatria ou as crianças? Nenhum de nós nasce com uma noção preconceituosa do que quer que seja. Nascemos  sem discriminarmos gênero, cor, orientação sexual ou religião. Com o crescimento, tomamos conhecimento dos valores dos nossos pais, nossas família, nosso bairro, nossa cidade e país. Esse conjunto de valores forma nossa cultura. Somos modelados por essas sucessivas camadas de valores/cultura. Quando pensamos o que pensamos, não o fazemos de forma isenta ou neutra. Sequer temos consciência de quanto do que pensamos e acreditamos é fruto de desse empilhado de valores. Só nos damos conta, talvez, quando viajamos para outra cidade ou país. Nesse momento, nos deparamos com seres humanos exatamente como nós, mas, com hábitos e crenças muito diferentes dos nossos. Muitas vezes é uma revelação perturbadora essa de descobrirmos que não há uma verdade única, um único modo certo de se agir e proceder.

Portanto, é exatamente com as crianças que  reforçamos esterótipos, rótulos, estigmas, ou não. Se repetirmos as afirmações preconceituosas que circulam pelo nosso meio, com relação às mulheres, estamos contribuindo para que nossos filhos (homens e mulheres) passem a construir um modelo onde as afirmações ganham contorno de verdade. Se, além de falarmos, nos comportarmos de forma discriminatória, preconceituosa, por sermos modelos para nossos filhos, estes tenderão a reproduzir o que lhes foi mostrado por nossa forma de agir.

Vamos sair da teoria e da filosofia? Vamos para um teste rápido, tipo revista de futilidades? Responda às seguintes afirmações como sendo falsas ou verdadeiras:

Não fica bem um bebê menino usar roupa rosa.

Meninos não devem brincar com bonecas.

Meninos não podem calçar os sapatos de salto alto da mãe, nem usar suas bijuterias. Os que fazem isso, demonstram um tendência para ser gay.

Meninos não devem aprender a servir uma mesa ou ajudar na cozinha. Isso é coisa para as meninas.

Imagine-se comentando sobre o pênis do seu filho, ainda pequeno. Seria capaz de dizer: esse vai ser macho, vai pegar todas!

Agora, imagine-se comentando sobre a vulva da sua filha. Seria capaz de dizer: essa vai ser um mulherão, vai pegar todos!

Você olha para as roupas das adolescentes com o mesmo nível de crítica que para a dos meninos.

Mulher de mini-saia e blusa decotada, está pedindo para ser cantada.

Você sabe que não é machista porque ajuda sua mulher nas tarefas da casa (Já pensou que ajudar significa que a tarefa é dela? Dividir tarefas transforma algumas em nossas!).

Meninos e meninas deveriam iniciar sua vida sexual na mesma idade.

Você iria a um urologista mulher com o mesmo conforto que iria a um homem.

Você fica constrangido de ser visto por um amigo, fazendo as unhas.  Se a reposta for falso, vamos sofisticar a pergunta- e se for no salão da sua mulher?

Você acha biquini bonito, mas, tem um limite para o tamanho. Pequeno demais é vulgar.

Gorda não deveria usar bikini (e gordo pode usar sunga?).

Mulher mal humorada ou irritada é sinônimo de mal amada (e nós, irritados e mal humorados?).

E a última afirmação do teste:

Mulher é assim mesmo!

Eu poderia continuar com a brincadeira, mas, só queria provocar o leitor a pensar um pouco. Se você, homem que leu isto, é como eu, pertence a esta cultura, sendo absolutamente sincero, respondeu a várias destas perguntas com o viés de quem tem algum preconceito ou discrimina o gênero feminino. Não é algo para nos sentirmos culpados. Como eu disse, não nascemos assim. Fomos modelados por uma cultura que nos faz ver a mulher desta forma. E, nos comportamos coerentemente com a forma com que vemos a mulher. O primeiro passo é reconhecer esta situação. Nem sempre vamos poder mudar, mas, podemos todos ficarmos mais atentos e percebermos quando o preconceito entra em cena.

Mais importante, podemos e devemos oferecer aos nossos filhos a possibilidade de perceber a mulher de um modo menos preconceituoso. Se conseguirmos isso, certamente será um homem feliz, tendo ao seu lado uma mulher com quem poderá dividir tarefas, funções, afetos e emoções. Um mundo onde não se discrimine a mulher será um mundo melhor, para todos.

He for She começa no berçário!

http://www.heforshe.org/

 

 

 

 

6 comentários em “HE FOR SHE DESDE CRIANÇA.”

  1. Luna Jaimovick

    Muito bom!
    O Vitor vai no mercado com a gente e vê o Leo fazendo comida na cozinha e adora a Peppa e cuida dela como se fosse um neném. Então, uma dia, no parquinho, ele foi com um mini carrinho de mercado que minha mãe deu, com a Peppa e foi direto pra uma casinha que tem lá e foi fazer comida e depois serviu. Ele adora isso! Uma mãe me parou e perguntou se o Vitor não tinha o George, que é irmão da Peppa. Eu falei que ele tem, mas prefere a porquinha rs. Essa mesma mãe me olhou com olho virado kkkkk! Eu disse que não tinha nada a ver! E um outro pai olhou com “olho torto” o carrinho de mercado, que quando o filho dele quis empurrá-lo pra brincar, o mesmo não deixou. Me deu pena da criança.
    A única coisa que eu realmente não gosto é que, como o Vitor fica mais comigo no dia -a -dia, e me vê de sapato, ele gosta de calçar meus sapatos. Aí eu falo pra ele que os tênis ou os sapatos do pai dele são mais legais e então, ele calça e sai andando todo engraçado pela casa…
    Bem, espero que eu esteja conseguindo educar meu filho, ensinando-o a respeitar a todos e tratar todas as pessoas de forma educada e humilde. Odeio gente arrogante e estúpida.
    Bom domingo, Dr. Cooper!

    1. Dr. Roberto Cooper

      Luna,
      Parabéns pela forma com que educa o Vitor. Mas, você mesma percebeu e descreveu nesse breve relato, quão longe estamos de uma cultura em que as diferenças de gênero, que existem, não sejam motivo de preconceito e discriminação. Obrigado por participar do blog.

  2. Luna Jaimovick

    Outra coisa: Eu sempre fiz aulas de danças: sapateado, dança israeli, flamenco, jazz, balett…eu não me importaria, nem um ppouco se meu filho fizesse sapateado ou flamenco ou qualquer outra dança! Aliás, seria um imenso prazer, se um dia, eu pudesse me apresentar no teatro com ele sapateando!! Ia ser o máximo!

    1. Dr. Roberto Cooper

      Luna,
      Que seus comentários, muito mais poderosos do que um post, inspirem outros pais a olharem para os gêneros com um olhar menos estigmatizante. Todo estigma é um limite para o ser humano. Meninos e meninas podem ser tão mais felizes se não forem ameaçados por rótulos do que é certo e errado para cada um fazer.

  3. emanuelle Freire

    Uma gestante de 6 meses que está com suspeita de caxumba. Se realmente a gestante esriver. Quais chance a criança tem de pegar. E se pegar quais são os. riscos?

    1. Dr. Roberto Cooper

      Prezada Emanuelle,
      Em princípio não há relato de riscos para o bebê, no caso de gestantes com Caxumba durante a gestação.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *