EMOÇÕES IMPUBLICÁVEIS.

No dia 27/11, Francisco Bosco escreveu,na sua coluna do segundo caderno do O Globo, um belíssimo texto, com o título de “Meucensurado filho”. Neste texto, com rara coragem, descreve as emoções sentidas quando soube da gravidez do Lourenço, apenas cinco meses depois do nascimento da Iolanda. O que seriam emoções impublicáveis, estão ali publicadas, com todas as letras. Francisco comenta sobre suas dúvida em relação ao amor que poderia ter com um segundo filho. Vale a pena ler este texto. Basta procurar no Google.

Além de achar o texto corajoso e bonito, me serviu como inspiração para escrever sobre emoções impublicáveis. O que seriam essas emoções impublicáveis? São todos os pensamentos e sentimentos, inteiramente normais, que sentimos diante de algumas situações, mas que são censurados por uma pressão cultural baseada na ideia de que quem ama não pode sentir nada “negativo”. Essa pressão, por se basear em algo que não corresponde à realidade do ser humano, acaba produzindo um enorme mal estar em mães e pais.

Vamos começar com o nascimento. Durante os meses da gravidez, mãe e pai falam de um bebê imaginado, sonhado, idealizado. Por mais que vejam as imagens das ultrassonografias, estas não permitem ver muito mais do que contornos. Além do aspecto físico, existe todo um antecipar dos aspectos comportamentais e de personalidade do bebê. Antes do nascimento, os pais brincam de imaginar com quem se parecerá, como será, se será um bebê tranquilo ou mais agitado? Será que vai gostar de ler, praticar esportes? Vai torcer pelo time do papai ou da mamãe?  O prazer de ficar imaginando o bebê é interminável. Aí, ele nasce. O bebê deixou de ser uma ideia e passou a ser uma realidade. Dificilmente o que tinha sido idealizado acontece 100% no mundo real. O bebê mostra sua individualidade e particularidades. Não é improvável que algumas características idealizadas fossem preferidas às reais. Frustração ou decepção seria duas palavras adequadas para descrever o sentimento que poderia surgir. Mas, onde haveria espaço para uma mãe ou um pai dizer clara e abertamente, que se sentiu um pouco frustrado pele bebê ser assim ou assado. Nem ousa comentar nada, com medo da reação em torno.

Aí o bebê vai para casa. E ele chora, como é da natureza dos bebês chorar.  Será fome? Frio ou calor? Dor ou desconforto? Fralda molhada?  Tudo verificado e checado e o bebê continua a chorar. O pai pega o filho no colo e sai andando pela casa. Por alguns minutos o bebê se acalma. Alívio! Sem nenhum motivo, o choro reinicia. Para complicar, mais forte do que antes. Alguém tem a brilhante ideia de ligar para uma das avós. Esta opina que pode ser algo grave porque “não é normal uma criança chorar tanto”  e completa ” vê lá o que vão fazer com meu neto!”. Pronto, instala-se o desespero. Daí para o pânico, um passo. A mãe, impotente, começa a chorar. O pai, como filho chorando no colo, tenta acalmar a mãe. A paciência já está no limite e, como a mãe não para de chorar, julga que ser mais enérgico, incisivo, poderá ajudar. O efeito é catastrófico, a mãe chora mais forte. Agora, mãe e filho aos prantos e um pai irritado com vontade de sair e ver os amigos. Nesse cenário, onde qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência, que tipo de emoções podem aflorar mais facilmente? Amor? Compreensão? Generosidade? Acho pouco provável. Diria que sentimentos e emoções impublicáveis como: raiva, arrependimento, vontade de sumir, vontade de deixar o filho chorando sozinho no berço e ligar o som bem alto, seriam mais prováveis de brotarem. Mas, ai de quem comentar que sentiu algo assim, alguma vez! Será olhado como um monstro, alguém desalmado que não ama o próprio filho. Melhor mesmo é censurar e não publicar.

Todos sobrevivem aos primeiros meses e cá estamos com uma família feliz, filho com um ano e meio, perfeitamente adaptado na creche, comendo bem, fazendo cocô como devem fazer todas as crianças, o xodó dos avós. Anda de um lado para o outro e faz gracinhas adoráveis. Nesta noite, vocês têm uma festa para ir. O filhote já fica bem com outra pessoa e os pais estão retomando a vida que havia ficado em “pause” por um tempo. É uma festa de dança, comemorando o aniversário de x anos de grandes amigos. A noite promete. Você, toda arrumada, feliz porque coube em um vestido de antes da gravidez, vai dar um beijo de boa noite no filho. Percebe que ele está quentinho, talvez com febre. Mas, já segura, não fica apavorada com um primeiro dia de febre. Pega seu filho no colo para dar um abraço de boa noite e…. ele vomita no seu vestido. Que sentimento surgiu? Preocupação com o filho, total desprendimento com o fato de seu vestido estar vomitado e, talvez, a festa cancelada? Ou um sentimento de injustiça cósmica e ira? Talvez ambos, mas a parte a ira, ódio, raiva, certamente será censurada, impublicável.

Filho ou filha adolescente com 15 anos de idade. Saiu para a “night”, com a recomendação explícita de manter o celular ligado e a combinação rígida de estar em casa às 2 e meia da manhã, para isso, pegando um taxi da cooperativa tal. Você finge que dorme e às 2 e meia, acorda. Que coincidência, bem na hora da chegada em casa. Claro que não será pontual é o seu pensamento às 15 para as 3. Às 3 da manhã você leva 15 minutos para decidir quando vai ligar para celular e decide- agora! Liga e, óbvio, caixa postal. Você  começa a pensar coisas como: se tivesse acontecido algo ruim, já teriam avisado. Deve estar em área que o celular não pega. Às 4 da manhã você já perdeu qualquer tipo de controle e passa a ligar, obsessiva e compulsivamente, de 30 em 30 segundos. Agora, sua cabeça já começou a pensar que deve tomar uma atitude. E se estiver em uma situação em que precise de ajuda e você ali tentando contato telefônico? Você passa a sentir culpa por estar tentando ligar e não fazendo algo mais importante. Mas o que fazer? Ir ao pronto-socorro? Delegacia? Qual era mesmo o endereço da festa? Ah, não deixou, como pedido! Às cinco da manhã, a porta se abre e um adolescente lépido e fagueiro entra em casa. Olha para você e diz: ué, acordada a essa hora? Você emite um grunhido e ele completa- você é muito estressada, mãe! Nesse momento, você se sente invadida por uma onda de amor incondicional e só pensa em abraçar e beijar seu filho ou sua vontade era de meter  mão na cara desse sem vergonha, irresponsável que não atende o celular, nem chega na hora combinada?  A esta altura da vida, esse sentimento já não é mais tão impublicável. Pais de adolescentes serão solidários e dirão que sentem o mesmo.

A pergunta é: o que acontece que os pais de bebês e crianças menores, não compartilham seus sentimentos ambíguos, ambivalentes, impublicáveis? O que acontece que todos ao nosso redor só sentem amor, felicidade e enorme alegria com seus filhos, nos fazendo  sentir o pior dos seres humanos?

Queria com este blog, dizer a todos os pais que sentir emoções impublicáveis é perfeitamente normal, humano. Não há amor incondicional e sentir o que quer que sintamos, não diminui o nosso amor. Sentir raiva, cansaço desesperador, sensação de que isto nunca vai acabar, se queixando de que ninguém me avisou que seria assim, não nos fazem menos amorosos com nossos filhos. Nos fazem mais humanos, honestos, permitindo que estes se desenvolvam com a capacidade plena de sentir a gama de emoções que nos pertencem, sem culpas.

Como sempre, os comentários são bem-vindos. Tanto os publicáveis, como os impublicáveis!

7 comentários em “EMOÇÕES IMPUBLICÁVEIS.”

  1. Doutor! Cansaço desesperador, a sensação de que nunca vai acabar “essa preocupação”, porque não me falaram que seria assim…. são os tipos de pensamento q sempre tenho! Mesmo pensando como vc, que minha irritação é normal e não diminui o amor por minha filha, sinto muita culpa! Choro horrores de arrependimento! Minha filhota está com 2 anos e 5 meses, cada fase que vem é mais dificil que a outra, quando estamos nos acostumando tudo muda! Ótimo texto! Obrigada. Tatiane

    1. Dr. Roberto Cooper

      Prezada Tatiane,
      Obrigado por participar do blog e compartilhar seus pensamentos. De fato, tudo muda, o tempo todo. Mas, ao invés de ver nisso uma ameaça, tente ver pelo lado do desafio criativo. Coloque uma pitada de bom humor no seu modo de ser mãe, sem se cobrar a “perfeição absoluta”. Isso não existe e você não precisa sentir culpa nem por não ser perfeita, muito menos por ser humana e pensar o que todos pensam (mas não falam).

  2. deise de o. b. moutinho

    Ótimo como sempre doutor, uma vez alguém me falou que raiva, irritação não dá em árvore e sim em gente, vamos sentir esses sentimentos , mas o mais importante é prestar atenção o quanto esse sentimento vai perdurar dentro da gente, para que possamos curtir , aprender e ter muitas alegrias com os nossos filhos.

    1. Dr. Roberto Cooper

      Prezada Lívia,
      Obrigado por participar do blog. De fato, a sociedade conta valoriza apenas uma parte da história. É como se os sentimentos humanos fosse colocados em categorias de “bons” e “maus”. Sentir os “maus” nos deixaria com uma culpa enorme, como se fossemos “monstros desalmados”. Ora, são sentimentos humanos, nem bons, nem maus. O que fazemos com os sentimentos é que nos diferencia em civilizados ou não.

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